Os adjuntos de Mourinho
"Os olhos do Mourinho vão buscar peças nas quais mais ninguém pensa. Onde estava o Derlei escondido? Onde estava o Nuno Valente? Andavam todos cegos?...". A meia dúvida apresentada ao PÚBLICO por um elemento da equipa técnica do FC Porto ajusta-se que nem uma luva à nova dupla que acompanha o treinador José Mourinho. Quando Pinto da Costa resolveu contratar o novo técnico, nas Antas caiu mais um bocado da tradição que fazia com que os homens de confiança do treinador fossem indicados pelo presidente - as excepções foram Joaquim Teixeira (adjunto de António Oliveira) e Rui Oliveira (adjunto de Octávio Machado). A utilidade da prata da casa continua a ser indiscutível - André e Aloísio são disso uma prova cabal, podendo ainda, neste quadro, ser acrescentado o nome do treinador de guarda-redes Silvino Louro -, mas o facto de Mourinho se ter feito acompanhar na viagem de Leiria para as Antas dos colaboradores Rui Faria e Baltemar Brito acabou por significar um corte com o passado. Hoje, Mourinho tem em Brito um dos principais confidentes, mas Aloísio e André igualam-no no estatuto e continuam a ser homens de confiança do técnico. Uma prova disso está no facto de Mourinho ter estabelecido que, quando Pinto da Costa preferir ver o jogo do camarote, sentados ao seu lado irão rodar os adjuntos. Ou seja, em vez de um adjunto principal como nos velhos tempos de Octávio Machado e Augusto Inácio, o FC Porto passa a ter três homens com iguais responsabilidades.Rui Faria, o "prof" de 27 anosAquele é que é o Rui Faria? E o Baltemar Brito jogou em que clube? Apesar de nos seus currículos já constarem alguns meses de trabalho ao serviço do FC Porto, as perguntas continuam a ser recorrentes entre as diferentes plateias que assistem a um ou outro treino dos "dragões". Os mais informados, por regra, sabem que Mourinho formou a sua equipa de raiz mal rompeu com o Benfica - e com o adjunto Mozer, que preferiu não viajar para Leiria - e optou pelo clube leiriense. Sabem ainda que o treinador fez questão de conservar a dupla para a nova aventura no Porto. No resto, tanto o preparador físico (Rui Faria) como o adjunto (Baltemar Brito) parecem ter assimilado tanto a metodologia como os traços mais vincados da personalidade de Mourinho. O profissionalismo, a ambição e o grau de exigência, pelo menos.A conversa que o PÚBLICO teve com Rui Faria terminou com o "prof" a fazer de João Bartolomeu, presidente da União de Leiria. "Não acha o professor muito novito?" - a pergunta de retórica foi colocada a José Mourinho, depois de uma análise precipitada aos 27 anos do novo preparador físico e corrigida alguns meses depois, quando o treinador anunciou que o levaria para as Antas. "Já não queria que eu saísse", acrescentou, com um sorriso confiante. Mas para perceber a admiração de Mourinho é preciso fazer um ligeiro "flash-back" até ao dia em que Rui Faria, assessorado por Ilídio Vale - professor do curso que frequentou na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física -, escolheu o adjunto de Van Gaal como cobaia para completar a sua tese de licenciatura. "Tinha estudado um grupo de treinadores a nível interno e precisava de uma amostra no estrangeiro que trabalhasse de uma forma manifestamente diferente, não convencional". E assim foi. Ao telefone, Mourinho mostrou-se "simpático e receptivo". "A entrevista dele foi a melhor", recorda. O "dossier" seguiu pelo correio e a resposta foi quase imediata: "Ligou para dizer que gostou muito e disse-me para tirar os cursos de treinador". Rui Faria seguiu o conselho, passou pela formação no Vizela e ainda esteve no São Martinho (Santo Tirso) e no Tirsense antes de chegar o convite para ir para Leiria. Hoje, admite ter "chegado muito rápido ao mais alto nível", mas agradece-o apenas a uma ambição que cultivou desde tenra idade. Na aldeia de Balugães, em Barcelos, percebeu que nunca seria "um grande jogador de futebol" e, como gostava "de todos os desportos", juntou o útil ao agradável: "Decidi ser professor de Educação Física e colocar em primeiro lugar os estudos".NomeRui Filipe da Cunha FariaIdade27 anos (14/6/1075)NaturalidadeBarcelosClube FC PortoFunçãoPreparador FísicoCarreiraVizela, São Martinho e TirsenseBaltemar Brito, o "indestrutível"Como um brasileiro que se preze, Baltemar Brito cedo se interessou pelo futebol. "A primeira prenda", já se sabe, foi "uma bola", e como os materiais para "inventar um brinquedo" eram escassos, Baltemar passou a infância a "partir lustres e vidraças", a "chatear os vizinhos" e a aprender truques nas "peladinhas" de bairro. Às vezes, quase sem querer: "No Brasil, na rua, joga-se sem camisola, o que obriga o jogador a levantar a cabeça e olhar em frente para distinguir o companheiro do adversário". A sua carreira, essa assentou-a em dois pilares ("o respeito e a disciplina"), e aos 51 anos ainda agradece o empurrão de Drailton, um amigo já falecido que o apresentou ao América, "por acaso" um clube de portugueses.Profissionalizou-se no Sport Recife, regressou ao América, saiu para o Santa Cruz, foi titular, mas uma lesão rapidamente conduziu ao litígio com o clube, que lá acedeu trocar os salários em atraso pelo seu passe. Aí, surge o "conhecido" Pimenta Machado, mas também o Guimarães não se revelaria o clube ideal. "Não me dei bem, engordei dez quilos em três meses", recorda. Seguiu-se o Paços de Ferreira, o Farense, o regresso a Paços de Ferreira, o Rio Ave, o Setúbal, o regresso ao Rio Ave e finalmente o Varzim, clube que o levou a "pendurar as chuteiras". Tudo porque num jogo com o Portimonense foi substituído ao intervalo. "Pela idade", assegura Baltemar. "Acabei de tomar banho e disse à minha esposa: 'Não jogo mais'". Acabou a época em Portimão e ainda deu umas luzes ao Macedo de Cavaleiros, só que o regresso ao Brasil estava iminente.Durante dois anos foi empresário no ramo dos materiais de construção, mas o "divórcio do futebol não foi fácil". Principalmente com um sogro português, um filho nascido em Vila do Conde e uma filha de Setúbal... Destino: Portugal. "Não aparecia nada", recorda, pelo menos até surgir o convite do S. Pedro da Cova e, pouco depois, o elemento "Mourinho". "Ligou-me para eu ir para o Leiria". O desafio foi aceite de imediato, até porque as referências que tinha do apelido se cruzavam com Félix Mourinho, seu treinador no Rio Ave que "assiduamente" levava o filho para treinar "nos reservas". "Era médio-avançado", recorda.Baltemar, por seu lado, sempre foi o central das pernas arqueadas. "E não usava caneleiras, tinha as meias sempre para baixo e aquecia só no balneário", enumerou, acrescentando um outro pormenor que confirma o registo "low-profile", que ainda hoje se reflecte na sua personalidade: "Antes dos jogos, não falava com ninguém". Completado o centésimo jogo consecutivo sem um único cartão e sem qualquer falta de comparência por lesão, a "Foot" - extinta revista desportiva dirigida por Norton de Matos - atribuiu-lhe o epíteto "Indestrutível", mas as contas de Baltemar são outras: "Foram cem para o campeonato, mas com a II Divisão e os jogos da Taça atingi os 150". O próprio José Mourinho provou estar a par das suas qualidades quando o escolheu para o lugar de Mozer. "Pediu-me profissionalismo. Só isso". Parecia pouco, mas "Britão", como agora é carinhosamente tratado no balneário portista, depressa percebeu o principal defeito de José Mourinho, aquele que, em ambiente de trabalho, se transforma na sua principal virtude: "É exigente de mais". No resto, "não mistura as coisas". "E aí reside o sucesso da equipa. O sucesso não acontece à toa", explica. "Mourinho", acrescenta, "não prometeu, mas está desejoso de ser campeão".NomeBaltemar José Oliveira BritoIdade51 anos (9/1/1951)NaturalidadeRecife (Brasil)ClubeFC PortoFunçãoTreinador adjuntoCarreira- como jogadorAmérica, Sport Recife e Santa Cruz (Brasil), Guimarães, Paços de Ferreira, Farense, Rio Ave, Setúbal e Varzim- como treinadorVarzim, Macedo Cavaleiro, Paredes, União de Leiria e FC Porto