Cerco de Mugabe aos agricultores brancos
Não se identifica porque tem medo. Um fazendeiro branco ontem contactado pelo PÚBLICO prefere não falar pelo telefone. "Não é altura, não é seguro", justifica. Estes são tempos difíceis para os brancos proprietários agrícolas no Zimbabwe. Muitos receberam ordens de abandonar as suas terras, e a cada dia que passa há mais detenções: nos últimos dias, foram detidos pelo menos 147.É por e-mail que o fazendeiro acaba por contar, em traços largos, a sua história. "Nós, pessoalmente, temos muita sorte. Até agora, não fomos sujeitos a nenhum tipo de violência". Comprou a sua "pequena terra" em 1982, pouco depois da independência do país. "Foi adquirida em mercado livre. Estava disponível para qualquer pessoa, de qualquer credo ou raça, e até foi oferecida, primeiro, ao Governo, que emitiu um certificado dizendo que não tinha interesse nela." Passados 20 anos, o Governo mudou de ideias: a propriedade está agora na lista para aquisição compulsiva."Não podemos ser acusados de 'tirar' as quintas a 'pobres camponeses sem terra', como o Governo gosta de retratar os agricultores comerciais", diz o receoso proprietário, arriscando uma estimativa: "Penso que mais de 75 por cento das terras agora na lista para serem adquiridas pelo Governo estão na mesma situação."Outra ideia que o Governo dá é a de que a terra é distribuída a pobres agricultores. Mas "a terra é dada, muitas vezes, a amigos políticos que não são nem pobres, nem sem terra", conclui, repetindo as previsões que as organizações de direitos humanos têm feito: "A fome vai começar a ser generalizada, à medida que a produção vai sendo drasticamente reduzida". Trabalhadores negros sem casa e comidaAlém disso, o proprietário aponta uma contradição na política de redistribuição empreendida pelo Presidente Robert Mugabe: "Não são só os agricultores brancos que perdem. Os maiores perdedores são também os trabalhadores negros, que são expulsos e ficam sem casa, comida, ou qualquer perspectiva de futuro." Quanto ao seu próprio futuro, não diz nada. "Estas são as informações que posso dar sobre a minha situação." A pressão tem aumentado nos últimos dias. Segundo um porta-voz da polícia, citado pela AFP, desde quinta-feira passada foram detidos 193 agricultores brancos. Um porta-voz da polícia disse à agência Reuters que depois destas detenções, alguns proprietários tinham abandonado as suas terras. "Perdi tudo!"O Governo de Robert Mugabe tinha fixado a data de 8 de Agosto como prazo para a saída dos fazendeiros, mas calcula-se que a maior parte dos 2900 proprietários que receberam o aviso não terão saído, esperando para ver quais as sanções para os que fiquem, e protestando contra uma ordem que consideram ilegal. Muitos dos detidos têm sido levados a tribunal, e os juízes têm tomado decisões diferentes nos tribunais ao longo do país. Em Chegutu, a 100 quilómetros de Harare, apenas um entre oito agricultores que foram libertados recebeu permissão de voltar às suas terras. Jean Baldwin, 72 anos, contou à Reuters que não tem para onde ir. O tribunal não permitiu que ficasse na sua casa na quinta, mesmo depois de ela alegar que o marido estava a morrer e que por isso precisavam de tempo para planear a partida.A Reuters encontrou um outro agricultor a encaixotar os seus bens, deixando 70 trabalhadores e as suas famílias. Tinha comprado a quinta em 74, e planeava ir para a África do Sul, onde tem familiares. "Que hei de fazer? Perdi tudo!", desabafou.Jack Peter, 52 anos, imigrante da Zâmbia que trabalhava desde 1974 para este fazendeiro, disse por seu turno que não sabia o que iria acontecer à sua família de oito filhos e alguns netos: "Acabou-se tudo. Este era um bom homem, mesmo sendo branco."