Chelas - um outro bairro

Em crónica publicada no PÚBLICO (05/08/02), um membro da associação de moradores do Bairro dos Lóios interroga-se sobre quem seria responsável pela escolha das cores com que tem sido pintado o Bairro do Condado (que o autor do texto insiste em chamar "zona J"). Diz ele que "Chelas e mais propriamente a zona J não mereciam mais isto"...Começo por estranhar a indignação tardia, como eco de declarações recentes do actual presidente da câmara... O Bairro do Condado está a ser pintado com aquelas cores há quase quatro anos, na sequência de um processo de reflexão participado pela junta de freguesia e pelas duas associações de moradores daquele bairro. Desde o início das obras e até ter deixado de ser responsável (fui eu, confesso!) por esta área, recebi uma única carta de protesto por causa das cores. Sei que o assunto tem merecido algumas referências, a favor e contra, em debates sobre a temática da habitação, mas não me chegaram outras críticas consistentes.Não foi uma decisão fácil, como fácil não terá sido, a diferentes decisores, aprovar outros projectos do arquitecto Tomás Taveira. Mas a verdade é que alguns desses projectos marcaram a cidade e, passada a controvérsia, aí estão, nos manuais de arquitectura, nos guias urbanos e nos bilhetes postais, como símbolos em que Lisboa também se revê. Convidei o arquitecto Taveira para estudar as cores por ter sido ele o autor do projecto inicial. Aceitei o risco da proposta porque me pareceu interessante o "diálogo" com a colina fronteira, nas Olaias - com cores muito vivas, hoje esbatidas pelo tempo -, mas, igualmente, por pensar que o "choque" provocado ajudaria a exorcizar os fantasmas da velha "zona J". Continuo a acreditar nisso... Ainda em recente entrevista a um jornal, uma das pessoas que mais autoridade tem para falar do Condado, frei Franco Ghezzi, afirmava que o bairro está a mudar muito e não tem comparação com a má memória do passado. Ele, que ali vive e trabalha, há muitos anos, com a população mais carenciada.Quando, em 1990, iniciámos a gestão em que participei, Chelas era um gigantesco gueto de realojamento, sem acessos, sem equipamentos, com milhares de barracas em bairros que se chamavam "do Relógio", "da Flamenga", "dos Cravos", "Chinês". Doze anos depois, Chelas está ligada à cidade de uma forma excelente (prolongamento da Av. D. Rodrigo da Cunha, Av. do Santo Condestável, viaduto das Olaias e prolongamento da Av. dos Estados Unidos da América); no lugar das barracas tem casas condignas, um campo de golfe, uma parte do parque da Bela Vista e infra-estruturas viárias de ligação entre os diferentes bairros da zona; múltiplos equipamentos (centro comercial, escolas novas, esquadras de polícia, centros para crianças, jovens e idosos, pequeno comércio, bibliotecas, mais farmácias, e até um instituto universitário no Bairro do Condado); uma população mais diversificada, com centenas de fogos cooperativos e também de promoção privada... Os diferentes bairros passaram a ter nome próprio, em vez das letras que eram "marca registada" da segregação. No Condado desapareceram os passeios de alcatrão e as pracetas de terra batida, substituídos por arranjos exteriores de grande qualidade, como desapareceu a "Vila Miséria", buraco nas fundações de alguns lotes onde viveram dezenas de pessoas durante largos anos...Com excepção do Parque das Nações, nenhuma outra zona de Lisboa beneficiou de um investimento tão significativo na década de 1990 (onde não deve ser esquecido o metropolitano, que construiu duas estações em Chelas).No meio de tudo isto, a única decisão polémica foi a das cores do Condado? Sinto-me um "idiota" feliz! O que espero é que um dia os habitantes do Bairro do Condado possam considerar-se tão segregados como os cidadãos que diariamente utilizam as Amoreiras... Vereador do PS na Câmara de Lisboa e ex-responsável pelo pelouro da Habitação

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