O Rei está vivo
Elvis "deixou o edifício" de vez há 25 anos. As comemorações do aniversário da morte do Rei do rock prometem reavivar a popularidade do rapaz nascido em Tupelo. Na América, Elvis continua a ser um objecto da idolatria de milhões de fãs. E um grande negócio, também.
Tupelo é uma pequena cidade sonolenta no Norte do mais pobre dos Estados Unidos, o Mississípi. A paisagem de edifícios baixos, bombas de gasolina e restaurantes de "fast food" é polvilhada a cada quarteirão por uma igreja - igrejas de todo o tipo, baptistas, pentecostais, luteranas, evangélicas. Na berma da estrada, vêem-se imagens típicas dos filmes, como um grupo de prisioneiros (sem grilhões), vigiados por um guarda a cavalo, a recolher lixo sob o sol tórrido do Mississípi. Foi aqui que, há 62 anos, nasceu Elvis Aron Presley, o inventor do rock'n' roll, o mais bem sucedido artista discográfico de sempre, o Rei. Foi uma vida curta: 42 anos depois, Elvis morreu na sua casa em Memphis, Graceland. A 16 de Agosto de 1977, há 25 anos.O orgulho de Tupelo é a casinha onde Elvis nasceu, que fica num monte junto à estrada, numa das zonas mais pobres da cidade. A casa foi construída pelo pai de Elvis, Vernon, e resume-se a um quarto, uma cozinha e um alpendre.A casa é tão pequena que uma visita demora aproximadamente 20 segundos. Inez, a guia que recebe os visitantes, conta que "a casa foi vendida quando os Presleys se mudaram para Memphis, mas foi restaurada para ficar como era originalmente" - isto é, um casebre modesto e esparsamente mobilado.Junto à casa foram construídos (inevitavelmente) uma igreja e um mini-museu, que inclui quinquilharias várias do percurso de Elvis - o martelo que Vernon usou para construir a casa, o primeiro disco de Elvis vendido na China (em 1991), muitas fotos. O museu demora pouco mais tempo a percorrer que a casa - a "gift shop", onde se vendem gravatas Elvis, bolas de golfe Elvis e cinzeiros que dizem "Tupelo - onde Elvis nasceu", ocupa mais espaço que a área de exposição.Quando Elvis tinha 13 anos, a sua família mudou-se para Memphis, uma cidade maior e mais movimentada 120 quilómetros a norte, no Tennessee. Foi lá que Elvis gravou o seu primeiro disco, nos estúdios Sun. Com 19 anos, Elvis tornou-se no maior ídolo da geração que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, e na maior dor de cabeça para os pais dessa geração, que não percebiam o fascínio por aquilo a que um jornal da época chamava "um arruaceiro que meneia as ancas de forma obscena enquanto emite uns gemidos que dificilmente se podem qualificar como 'música'"."Quando o Elvis vivia em Tupelo, havia um tipo chamado Mississipi Slim que tinha um programa de música 'country" na rádio", conta Bill E. Burk, um jornalista de Memphis que acompanhou quase toda a carreira de Elvis. "Ele seguia o Slim como se fosse uma sombra. Logo aos dez anos, dizia que quando crescesse queria ter o seu próprio programa na rádio.""Depois apareceu o Liberace na televisão, com os seus fatos exuberantes; o Elvis dizia que se tivesse o mesmo dinheiro, fazia a mesma coisa. Os objectivos dele iam subindo cada vez mais, mas ele nunca esperava, pelo menos no início, ser uma estrela mundial, vedeta de Hollywood."Aos 22 anos, Elvis já tinha dinheiro para comprar uma mansão em Memphis e a decorar ao estilo de Liberace. Hoje, Graceland é uma mistura de museu e parque de diversões. Por 25 dólares, pode-se conhecer a casa onde o Rei morou até ao fim dos seus dias - excepto o primeiro andar, onde Elvis morreu, que está vedado aos visitantes.Graceland conta a história da vida de Elvis - a ascensão fulminante no início dos anos 50; o serviço militar cumprido na Alemanha; a década de 60, passada em Hollywood a fazer filmes inenarravelmente "kitsch"; os últimos anos de actuações em Las Vegas e fatos extravagantes."Graceland recebe à volta de 600 mil pessoas por ano", disse ao PÚBLICO Todd Morgan, vice-presidente para as áreas criativas da EPE (Elvis Presley Enterprises, empresa que gere a herança de Elvis). "Como qualquer atracção turística, temos mais gente no Verão, as coisas ficam mais pacatas em Fevereiro. Num dia forte, podemos cá ter três ou quatro mil pessoas." Graceland é, a seguir à Casa Branca, a residência mais visitada nos EUA."Recebemos gente de todo o lado, mesmo na época baixa há visitantes de 40 países. Metade dos visitantes tem menos de 35 anos. E não é questão de uma geração trazer a próxima - as pessoas de 25 ou 26 anos não costumam viajar com os pais", diz Morgan. "Só três ou quatro por cento é que fazem parte de clubes de fãs, o resto é público em geral. E a maioria das pessoas vem pela primeira vez."O clímax da visita a Graceland é o "jardim de meditação", onde estão enterrados Elvis e os seus pais. É lá que os fãs se demoram mais tempo, a contemplar a campa do Rei e, evidentemente, a tirar fotografias. Rhonda, uma fã do Colorado, nunca chegou a ver Elvis vivo. "Vir aqui é uma maneira de me penitenciar." Sam, um galês de Cardiff ("sabia que a família do Elvis vinha originalmente do País de Gales?"), descreve o "jardim da meditação" como "um lugar muito espiritual": "Nunca houve ninguém como ele."Os fãs gostam de falar sobre Elvis, de "partilhar" o culto. Mas mesmo eles têm dificuldade em explicar o fenómeno. Quando se lhes pergunta porque é que Elvis continua tão popular 25 anos depois da sua morte, respondem com generalidades: "Carisma. Ele tinha carisma", diz Bud Stonebraker. A sua mulher, Mary Etta, acrescenta: "O Elvis tinha uma química especial. Chegando perto dele, era como uma carga eléctrica, por isso é que os fãs vêm cá, receber essa carga. Dizia-se que quando o Elvis falava com os fãs se viam faíscas a voar."Bud e Mary Etta Stonebraker vivem paredes meias com Graceland: o quintal dos fundos da sua casa dá para os jardins da mansão. Muitos fãs batem-lhes à porta a oferecer dinheiro para poder espreitar para o outro lado ("nós não aceitamos, quem quiser pode olhar de borla, mas há nesta vizinhança quem faça dinheiro", diz Bud). "Não somos de Memphis, vivíamos no Texas, mas mudámo-nos para cá para estar perto de Graceland", diz Mary Etta. A casa dos Stonebrakers é um autêntico mausoléu. Todas as paredes estão cobertas por imagens - fotos, quadros, tapeçarias - de Elvis, e há estatuetas, bonecos, capas de discos por todo o lado."Há uma grande diferença entre os fãs europeus e os americanos", diz Bill E. Burk. "Os fãs americanos são sobretudo mulheres, com 50, 60 anos ou mais, que cresceram com o Elvis. Elas pensam no Elvis como um deus, um ícone, que representa o zénite da evolução do ser humano, vivem em negação, recusam-se a falar da parte negativa da história dele. Os fãs europeus são mais jovens, e tornaram-se fãs pela música, não se importam tanto com a imagem."A parafernália dos Stonebrakers é só uma fracção do que se pode comprar nas muitas lojas de "souvenirs" de Graceland. Mas eles não acham que haja uma comercialização excessiva da imagem de Elvis: "Quando mais, melhor", diz Bud."Essas coisas são uma maneira de dar informação às pessoas que não sabem muito do Elvis", afirma com espírito missionário Bobbie Cunningham, uma fã da Califórnia. "Um exemplo é o filme, 'Lilo & Stitch'", uma produção da Disney que inclui referências e canções de Elvis. "Uma nova geração de futuros fãs vai aprender sobre a música do Elvis, sobre o seu grande sentido de humor, sobre o indivíduo generoso e sensível que ele era."Bill E. Burk edita uma revista ("Elvis World") com 5800 assinantes em 92 países (incluindo Portugal). Ele faz parte de uma comunidade de artistas que tocaram com Elvis, imitadores, "especialistas" e amigos do Rei que vivem de escrever sobre as suas experiências com Elvis ou de viajar pelo mundo a dar palestras a clubes de fãs. Mas o grosso do "negócio" Elvis está nas mãos da EPE. A herança que Elvis deixou depois da sua morte estava em muito mau estado. Alguns analistas calcularam em apenas cinco milhões de dólares o valor do seu delapidado património em 1977. A gestão foi deixada a cargo da EPE, provisoriamente gerida pela ex-mulher de Elvis, Priscilla, e pelo empresário Jack Soden, até que a filha, Lisa Marie, atingisse a maioridade.A venda de bilhetes e "merchandising" em Graceland é só uma das fontes de receitas da EPE. Em Memphis, a EPE também possui o restaurante Elvis Presley e o Heartbreak Hotel. A empresa ainda obtém rendimentos do licenciamento da imagem de Elvis e do "publishing" de muitas das suas músicas. Basicamente, por tudo o que meta o nome, a voz ou a imagem de Elvis a EPE recebe uma percentagem.Actualmente, a EPE é 100 por cento propriedade de Lisa Marie Presley. "As grandes decisões passam todas por ela. Lisa Marie tem sempre a última palavra." Como a empresa não está cotada na bolsa, a EPE não tem obrigação de divulgar as suas contas. Por isso, Todd Morgan recusa-se a divulgar quanto dinheiro rende por ano a EPE: "A nossa informação financeira é totalmente privada. Tudo o que ouvir não veio de nós."Mas pode-se fazer estimativas. Bill E. Burk conta que ouviu há alguns anos o director executivo da EPE, Jack Soden, dizer que "Graceland é apenas a quarta maior fonte de receitas da EPE". Burk pôs-se a fazer contas."Falei com outra pessoa dentro da EPE, que me disse a quantidade de dinheiro que em média cada visitante gasta em Graceland. Multipliquei esse número por 600 mil visitantes. O resultado, numa estimativa conservadora, dava 126 milhões de dólares por ano."Ora, se Graceland é apenas a quarta fonte de receitas da EPE, então o seu volume de negócios tem de ser pelo menos quatro vezes maior que os 126 milhões. O que atira as receitas da empresa para mais de 600 milhões de dólares por ano."A EPE copiou o modelo empresarial da Disney", diz Burk. "É preciso fazer-lhes justiça, eles transformaram [a marca Elvis] num dos grandes grupos de entretenimento dos EUA. Eles têm tudo controlado. Às vezes têm uma mão pesada com os fãs, gostava de os ver mais descontraídos."Alguns queixam-se dessa "mão pesada". A EPE persegue tenazmente qualquer uso que considere abusivo da marca Elvis. Há fãs que não simpatizam nada com a forma como a empresa gere o legado de Elvis. "Nós somos fãs de Elvis", diz Bud Stonebraker. "Não temos nada a ver com Graceland nem com a EPE.""Se uma pessoa vai às lojas comprar coisas da EPE, o dinheiro vai para a Igreja da Cientologia, e eu não quero que o meu dinheiro vá para os cientologistas, eu não acredito em nada disso." Lisa Marie Presley, tal como a mãe, é cientologista. Apesar de não haver nada que aponte para que a igreja tenha influência sobre a gestão de Graceland ou que receba fundos da EPE, alguns fãs temem que a Cientologia se tenha apoderado da herança de Elvis. Diz Bud: "Eu cá não lhes dou um tostão."Todos os anos há uma "semana de homenagem" a Elvis e Memphis, que reúne dezenas de milhares de visitantes, sobretudo na noite de 15 para 16, quando há uma vigília em Graceland. Este ano, para o 25º aniversário, são esperados entre 50 mil a 70 mil visitantes.Mas as celebrações da efeméride não se ficam por aqui. Vai ser lançado um disco com todos as canções que chegaram ao número um dos "tops" dos EUA e do Reino Unido, que terá "a maior promoção de sempre para um disco de Elvis", diz Todd Morgan. Além do disco, estão previstos um documentário para televisão sobre a carreira de Elvis e um novo "roadshow" - um concerto itinerante em que Elvis aparece a cantar num ecrã gigante acompanhado ao vivo por um grupo de músicos veteranos que tocaram com ele.Será que o espalhafato do 25º aniversário vai relançar a "elvismania"? Todd Morgan diz que sim. Bill E. Burk pensa que não. "Acho que este vai ser o último grande ano. As coisas aquecem em anos com números redondos", diz Burk."O décimo aniversário [da morte de Elvis] foi grande, o 15º maior, o 20º maior ainda e este vai ser o maior de todos. Mas os fãs mais antigos estão a envelhecer, vão morrendo. Vai continuar a haver negócio, mas os fãs da 'linha dura' vão desaparecendo. Daqui a 20 anos ainda haverá muita gente a vir a Graceland - mas serão turistas, não fãs."