mundos por concretizar
Entre 1982 surgiam os primeiros computadores, havia notícias sobre um telefone móvel, o disco compacto era uma miragem. Foi nesse mundo arcaico que surgiu "Tron".
Hoje, "Tron" é um filme emblemático. Para os que o viram na sala de cinema, é a recordação de um futuro incontornável. Para os mais novos, que o visualizaram recentemente no canal Disney, é um mundo arcaico e pouco credível. Entre a visão de uns e outros, passaram duas décadas marcantes para a história dos computadores e dos videojogos.Dois anos após a realização do filme, William Gibson descrevia o ciberespaço, no seu livro "Neuromante", como uma alucinação consensual, uma representação gráfica de dados, linhas de luz, como as luzes da cidade. Tal como Steven Lisberger mostrava no filme.Para contextualizar o aparecimento de "Tron" e o impacto tido numa certa geração, há que perceber que em 1982 estavam a surgir os primeiros computadores. A IBM tinha lançado o "Personal Computer" em Agosto do ano anterior e a Microsoft era uma pequena sombra do que é hoje (o Windows ainda estava na rampa de lançamento).Em 1982, a MTV iniciava-se na vertigem das imagens televisivas e, no final do ano, enquanto surgiam as primeiras notícias sobre a SIDA e sobre um telefone "móvel" apresentado em Chicago, a revista Time elegia o computador como "homem do ano". Enquanto alguns tentavam decifrar o cubo de Rubik, outros ocupavam as casas de jogos - que então retiravam as máquinas mecânicas de "flippers" - para ali jogarem as versões electrónicas de "PacMan", "Space Invaders", "Frogger", "Donkey Kong" ou "Dig Dug".Nos EUA, a Nintendo estava então a surgir com os sistemas de videojogos de oito bits - hoje está-se nos 164 bits... O disco compacto era uma miragem, a generalização do fax estava por acontecer, tal como Madonna. Por cá, a RTP cancelava a emissão do filme "Pato com Laranja" devido aos telefonemas dos espectadores chocados.É neste contexto que surgia "Tron". O filme não teve uma vida fácil e, aliás, quase se pode dizer que foi um "amaldiçoado". Contrariando a lógica de então, que apontava para as grandes estreias durante a época natalícia, Tron caiu nas salas em Agosto de 1982, em pleno Verão. Evitou assim defrontar-se no Natal com o mega-sucesso de um extra-terrestre a voar de bicicleta (o "E.T.", de Steven Spielberg).Na sua lógica, este não era um filme Disney e a produção ressentiu-se disso. Quando os jovens olhavam interessados para os caros computadores ou frequentavam as "casas de jogos" (as "arcades" em inglês) e desprezavam os desenhos animados da Disney, esta resolveu apostar timidamente numa imagem de modernidade (que seria mais de uma década depois repetida com "Toy Story"). A Disney apresentou-o como o primeiro filme feito com computadores, uma relativa mentira que funcionava como bandeira publicitária geracional para os adolescentes. Na realidade, foi o primeiro filme a criar mundos em computador, dado que "Star Wars", em 1977, já tinha usado computadores na sua concretização. No mesmo ano de "Tron", "Star Trek: The Wrath Of Khan" incluía uma cena do nascimento de um planeta igualmente concebido em computador.A novidade de "Tron" não excitou por aí além os críticos de cinema e uma grande maioria arrasou-o como sendo um filme "frio", numa época em que filmes com efeitos especiais ainda não eram cinema...Frio ou quente, foi um trabalho épico. Com reduzidas excepções, os programadores informáticos nunca tinham feito filmes e os realizadores nunca tinham trabalhado com computadores. Curiosamente, algumas das cenas mais interessantes, do ponto de vista técnico, não foram concretizadas em computador mas à velha maneira da Disney, com uma gigantesca mão-de-obra em Taiwan que pintou manualmente os fotogramas."Tron" obteve 33 milhões de dólares de receita, enquanto hoje um filme como "Shrek" ultrapassou os 250 milhões. Mas a partir dele nasceu toda uma linha que passa por "Quem Tramou Roger Rabbit", "Exterminador Implacável 2", "Toy Story", "The Matrix", "Shrek" ou "Final Fanstasy".Para o futuro, o DVD dos 20 anos deixa a esperança revelada por diversas vezes por Lisberger de estar a trabalhar em "Tron 2.0" (título não oficial), mostrando-se inclusive alguns esboços artísticos desse trabalho. O realizador já deu uma entrevista onde abordou a questão, mas revelou estar impossibilitado, por contrato, de divulgar mais. Sabe-se apenas que deverá incorporar bastantes elementos de computação gráfica, estrear em 2003 e aparecer em simultâneo com um videojogo para a Xbox, que está em desenvolvimento pela Monolith. Depois, é esperar pela promessa da Disney que, nos anos 80, chegou a antecipar a realização de um "Tron 3". P.F.Dois anos após o filme, William Gibson descrevia o ciberespaço, no seu livro "Neuromante", como uma alucinação consensual, uma representação gráfica de dados, linhas de luz, como as luzes da cidade. Tal como Steven Lisberger mostrava em "Tron"