Nan Goldin: fotografar contra o medo
"Uma forma de evitar a perda." É assim que Nan Goldin encara a sua obra fotográfica, que pode ser vista na retrospectiva "Ainda na Terra", ontem inaugurada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto
Habitada por fantasmas, a exposição de Nan Goldin situa-se a meio caminho entre o céu e o inferno. Talvez por isso, noutros locais da itinerância, a mostra se chamasse "Devil's Playground". No Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, foi ontem inaugurada a retrospectiva "Ainda na Terra", que reúne mais de 400 fotografias e três projecções de diapositivos, entre os quais o célebre "The Ballad of Sexual Dependency" (1981-1996) e o mais recente "Heartbeat", com música de Björk. Centrada num registo autobiográfico, realista, percorrido não só por temas como a sida, a toxicodependência, as "drag-queens", mas também pelo amor e o sublime, a obra da artista norte-americana joga nos vários limites da existência humana. Como nota a comissária da exposição, Catherine Lampert, apesar de a mostra cobrir um período de cerca de três décadas, mais de metade das imagens são dos últimos dois anos: "A coragem básica de viver, apesar da adversidade, e a introspecção inerente a um sobrevivente são também celebradas em retratos recentes e reservados de mulheres e homens maduros e criativos, como Raymonde, Clemens Schick, Marie Schneider, Guido Costa, Joey Gabriel, Nicholas Page, assim como no retratar extensivo da sua melhor amiga, Valerie Massadien." Como diz Goldin em entrevista ao Mil Folhas: "Para mim, a fotografia é uma forma de evitar a perda."Mil Folhas - O escritor norte-americano H. P. Lovecraft (1890-1937) detestava a realidade. Um dia afirmou que "a vida adulta é um inferno". Quer comentar?NAN GOLDIN - No fim de uma entrevista que dei à "People", em 1985, escreveram: "Como disse Wittgenstein: 'Tive uma existência maravilhosa.' É o que Nan Goldin diz acerca da sua vida, embora para os outros ela se assemelhe a um inferno." Para mim, a realidade é tão fantástica que não necessito da imaginação. A vida é simultaneamente céu e inferno. Certamente que atravessei o inferno. As pessoas à beira das quais gravitei atravessaram o fogo e saíram do outro lado.Em 1981-82, aconteceu o primeiro caso de sida entre os meus amigos. A Cookie, o David e outros amigos, estávamos na praia e lemos um artigo sobre um cancro relacionado como os homossexuais. Rimos, não acreditámos e, antes que nos déssemos conta, tornou-se numa enorme epidemia.