O Grão-Mestre português que amava os malteses
Em Portugal, poucos saberão quem foi António Manoel de Vilhena (1672-1736), mas no pequeno arquipélago de Malta tropeçamos com o seu legado e a sua memória a cada esquina - das imponentes construções que mandou edificar a um clube de futebol e uma rádio local que levam o seu nome, do teatro de ópera aos bustos e estátuas em sua homenagem... Vilhena foi um dos três Grão-Mestres portugueses que presidiram à Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João - os outros foram Luiz Mendez de Vasconcellos, que reinou entre 1622 e 1623, e Manoel Pinto da Fonseca, que presidiu à Ordem de Malta entre 1741 e 1773 -, continuando ainda hoje a ser uma das figuras históricas mais recordadas pelos malteses, quer como promotor do desenvolvimento urbanístico e arquitectónico da ilha, hoje de extraordinário valor patrimonial, quer como impulsionador da sua vida cultural. O Pátio de Honra do belo palácio barroco que lhe serviu de residência em Mdina, a antiga capital do país, e que Vilhena mandou erigir em 1725, acabou de ser restaurado com o apoio da Fundação Gulbenkian, que contribuiu com cerca de 93 mil euros para a realização do projecto, da autoria do arquitecto João Campos, consultor do Serviço Internacional da Fundação, e executado pelo Mdina Rehabilitation Committee. A cerimónia que assinalou a conclusão dos trabalhos teve lugar no passado dia 14, contando com a intervenção do Presidente da República de Malta, Guido de Marco, e a actuação do Coro Gulbenkian. Esteve presente também a portuguesa Maria Luísa de Vilhena, descendente directa do Grão-Mestre. Tratou-se do culminar de uma série de iniciativas que puseram em evidência não só a memória de Vilhena, como os laços culturais entre Portugal e Malta, e que incluíram, entre outros eventos, a inauguração de uma estátua do Grão-Mestre português em Floriana (também conhecida como Borgo Vilhena, uma vez que a sua urbanização se deve ao nosso compatriota), um seminário sobre as relações culturais luso-maltesas, no dia 13, e dois concertos pelo Coro e Orquestra Gulbenkian. O Palácio Vilhena faz parte da chamada Vilhena Route, que integra também a porta principal de Mdina, a Igreja de S. Roque e vários outros monumentos. Antes do grande terramoto que assolou Malta em 1693 existia no seu lugar o Palácio Giuratale, a sede da universidade. Reconstruído por ordem de Vilhena, converteu-se na residência de Verão do Grão-Mestre, que pretendeu assim afirmar também o seu poder no seio das famílias nobres que habitavam a antiga urbe medieval. No período britânico foi transformado em Hospital Militar e hoje alberga um decrépito Museu de História Natural, que deverá ser demovido brevemente de modo a dar lugar a um centro de recuperação de património. O Pátio de Honra, agora restaurado, constitui uma notável peça de arquitectura barroca, tendo o projecto de João Campos - que incluiu a limpeza e reabilitação das paredes e decorações exteriores, assim como um novo pavimento - previsto a plantação de duas pequenas oliveiras oriundas de Portugal. Estas foram oferecidas por Maria Helena Vieira Mendes (especialista em artes decorativas, durante muitos anos colaboradora da Fundação Gulbenkian), cuja família tem raízes em Malta.Foi neste sugestivo espaço, de óptima acústica, situado no interior da muralha de Mdina, que o Coro Gulbenkian actuou, "a cappela", numa formação de 24 coralistas, sob a direcção de Fernando Eldoro. Os dois apontamentos musicais que permearam os vários discursos da inauguração - entre os quais o do presidente da República de Malta, Guido de Marco, e do administrador da Gulbenkian, José Blanco - deram a ouvir um programa apelativo onde a música portuguesa do passado (o célebre vilancico "Ay mi dios", de D. Pedro de Cristo) e do século XX (quatro madrigais de Joly Braga Santos) se combinou com dois deliciosos madrigais italianos : "Madonna mia cara", de Lassus, "Bongiorno Madonna", de Scandello, interpretados com sugestiva graciosidade.