Euro já vale mais que o dólar
Não foi uma surpresa. O euro já se tinha valorizado 13 por cento face ao dólar desde o início do ano e seis por cento nos últimos 30 dias, devido à queda da atractividade dos activos financeiros denominados na moeda dos EUA. Mas, nos mercados cambiais, a paridade face à divisa norte-americana surgia como uma espécie de Cabo das Tormentas, difícil de suplantar. Ontem, os investidores acordaram particularmente mal-dispostos em relação às perspectivas de curto prazo da maior economia mundial e empurraram a moeda única europeia para valores que já não eram alcançados desde Fevereiro de 2000. Às 18h00 de Lisboa um euro trocava-se contra 1,008 dólares. Não é de uma repentina força do euro suportada por um estado de saúde recomendável da economia dos Doze que se trata, mas sim de uma crescente fragilidade do dólar, que tem também perdido terreno face a outras divisas. Não deixa de ser irónico que no ano passado, com a leve recessão por que passou a economia e o clima de incerteza gerado pelo 11 de Setembro, o dólar tenha desafiado todas as leis da gravidade cambial, enquanto agora, com inequívocos sinais de retoma e num enquadramento internacional mais favorável, a divisa se afunde.Neste momento, o dólar perde terreno por uma série de razões conjugadas. Em primeiro lugar, a divisa recua porque se encontra sobreavaliada face a quase todas as suas principais concorrentes mundiais, de acordo com os mais diversos padrões de avaliação. Por exemplo, de acordo com o índice "Big Mac" da revista "The Economist", no final de Abril deste ano, o dólar encontrava-se sobreavaliado em cinco por cento face ao euro, 19 por cento face ao iene e quase 50 por cento face a outras divisas asiáticas. A teoria das paridades de poder de compra defende que as taxas de câmbio tenderão a ajustar-se de forma a corrigirem quaisquer diferenças assinaláveis de poder aquisitivo entre países - um produto uniforme como o "Big Mac" deveria custar aproximadamente o mesmo em termos de dólares, independentemente do local de aquisição. Se tal não acontecer, trata-se de um indício de que as divisas não se encontram correctamente alinhadas.Em segundo lugar, a forma como a economia norte-americana está a recuperar deixa muito a desejar. Os sinais que têm surgido são mistos, indicando que ela será mais lenta do que o inicialmente previsto. E mais assente na despesa pública - com a consequente deterioração do saldo orçamental - do que os mercados achariam desejável: é que assim há recursos que são desviados do sector privado, sendo neste que se produzem lucros. Com lucros menores, os investimentos nos EUA tornam-se menos atraentes, havendo menos entradas de capitais no país e caindo a procura de dólares. Neste contexto, há que somar as actuais fortes suspeitas de que os resultados de um grande número de empresas não reflectem a sua realidade económico-financeira. E, finalmente, há a questão do volumoso défice das contas externas do país, que não cessa de crescer e é já superior a quatro por cento do PIB. Até há bem pouco tempo, as entradas de capital nos EUA permitiam balançar o valor do défice e manter o dólar forte. Mas, já no ano passado, o investimento directo estrangeiro caiu para metade, cifrando-se em 144 mil milhões de dólares e, em Abril deste ano, o montante de novos investimentos caiu da média mensal de 11 mil milhões de dólares para apenas 600 milhões de dólares. Trata-se de uma evolução preocupante, com os EUA endividados perante o resto do mundo - o défice externo atingia no final do ano passado 417 mil milhões de dólares, o que quer dizer que o país precisa de atrair diariamente mil milhões de dólares de capitais para o financiar, o que está agora bem longe de acontecer. Entretanto, uma década de expansão pode ter chegado ao fim, mas deixou um legado de uma economia fortemente dependente de produtos importados, do petróleo aos microprocessadores. Isso não era grave quando o dólar era forte, mas, com a sua actual fragilidade, os mercados podem-se enervar e provocar uma desvalorização acelerada, algo que não beneficiaria ninguém.