"Timor, as utopias valem a pena"
Dez anos depois do "Lusitânia Expresso", sentiu que "não era possível descansar". Vendeu tudo e partiu com a mulher e duas filhas bebés. Para Rui Marques, o Centro que construiu em Díli com dinheiro de portugueses anónimos "é uma água que flui", uma "manifestação de Deus". De manhã e à tarde são os formandos dos cursos de informática e internet, de micro-empresas, de produção audiovisual, de português. Ao princípio da noite, o auditório estremece com os gritos dos jovens e adultos do bairro a aplaudirem as melhores jogadas do Mundial. Atentos às bolachas que faltam, à cadeira que é preciso ir buscar, às filhas que brincam descalças com os filhos dos vizinhos, Rui e Francisca correm de um lado para o outro. Estão apostados em transformar o Centro Juvenil Padre António Vieira (CJPAV), em Díli, num dos eixos da construção de Timor Lorosae, o país onde em 1992 quiseram levar por via marítima a solidariedade portuguesa. Na hora do balanço, Rui Marques, 38 anos, médico não praticante, recusa o epíteto de "missionário". Mas confessa que tudo o que tem feito - do "Lusitânia Expresso" à operação Bósnia e à Fundação que construiu o CJPAV - decorre da crença "na figura de um Cristo que tem a ver com os nossos dias". Timor? Um povo "único", onde a língua portuguesa florescerá "dentro de 15 a 20 anos". E cujo principal fantasma são os milhões do petróleo e do gás natural, esse "enorme chamariz de oportunistas, corruptos, pequenos ou grandes tiranos".PÚBLICO - O que é que o levou há um ano a pegar na mulher e em duas filhas - uma com dois e outra com três anos de idade - e mudar de armas e bagagens para Timor?RUI MARQUES - Não foi "pegar". Foi uma decisão da família, em particular minha e da Francisca [Assis Teixeira, sua mulher], supomos que com o apoio inconsciente da Marta e da Madalena [as filhas do casal]. Em Agosto de 2000 viemos cá para concluir o nosso trabalho por Timor. O país tinha encontrado o caminho da independência e nós, depois de 10 anos de actividade que tinha passado pelo "Lusitânia Expresso" e se desenvolvera através de outras iniciativas, considerávamos que tinha acabado o nosso papel. Mas quando chegámos cá percebemos que não era possível ainda descansar.