A odisseia de um homem de sorte
O actor Michael J. Fox surpreendeu o mundo ao anunciar que tinha a doença de Parkinson. Na sua autobiografia, "Lucky Man", Fox narra com uma candura surpreendente a sua ascensão por Hollywood e a sua batalha contra a doença.
No final dos anos 80, havia poucos actores em Hollywood tão populares como Michael J. Fox. O diminuto (1,65m) canadiano era a estrela da "sitcom" televisiva Quem sai aos Seus e da trilogia de filmes "Regresso ao Futuro". Antes de chegar aos 30 anos, e com uma cara de bebé aparentemente invulnerável ao envelhecimento, a carreira de Fox parecia imparável.É o próprio Fox que usa a palavra "hubris" para descrever o que lhe aconteceu num hotel da Florida, em Novembro de 1990. De um momento para o outro, o dedo mindinho da sua mão esquerda começou a tremer-lhe incontrolavelmente. Reflexos da bebedeira da noite anterior? Cansaço? Consequência de uma lesão sofrida nas rodagens de "Regresso ao Futuro"? Quando os tremores alastraram à mão e depois a todo o braço esquerdo, Fox foi a um neurologista. Doença de Parkinson, disseram-lhe.Fox, como muitas outras vítimas desta doença, de início não acreditou no seu fado. O mal de Parkinson, uma doença neurológica degenerativa incurável, normalmente só atinge pessoas com mais de 50 anos. Só muito raramente é que pessoas mais novas são afectadas. Mas o diagnóstico era inexorável. O médico prometeu a Fox, com sorte, "mais dez anos de vida activa normal".A luta de Michael J. Fox conta a doença de Parkinson é o tema maior e omnipresente da sua autobiografia, "Lucky Man", recentemente editada nos EUA. Mas o livro não se fica pelo previsível, a narrativa de uma estrela de cinema obrigada a confrontar a sua mortalidade pela tragédia de uma doença atroz. Fox pinta um retrato surpreendentemente franco do seu carreira em Hollywood e do seu trajecto a caminho da reconciliação consigo próprio.Michael J. Fox nasceu na Colúmbia Britânica, a província mais ocidental do Canadá, em 1961 (é uma das muitas estrelas de Hollywood que todos julgam ser americanas mas afinal nasceram mais a norte). Emigrou para a Califórnia aos 17 anos, para prosseguir o mesmo sonho que milhares de outros jovens na América do Norte - singrar em Hollywood.A princípio, as coisas correram-lhe bem. A sua diminuta estatura e cara infantil permitiram-lhe obter vários papéis de criança ou de adolescente. Mas, em 1983, a sua carreira estava num impasse: arruinado por uma gestão irresponsável das suas finanças, sem grandes perspectivas de futuro, a vida de Fox era o paradigma do actor em apuros. Passava fome, morava num modestíssimo apartamento de que devia a renda, pensava em desistir do sonho e voltar para casa.Fox teve então a sua grande oportunidade. Foi escolhido para fazer parte do "cast" de uma nova "sitcom", Quem Sai aos Seus. A início, a cadeia de televisão NBC não aprovava a sua escolha para o papel de Alex Keaton, o filho "yuppie" e conservador de um casal de ex-"hippies". Diziam que era baixo demais para ser credível como filho de dois actores altos. Mas, devido à insistência dos produtores da série, o problema da estatura acabou por ser ultrapassado.A personagem de Fox tornou-se a mais popular da série. Quem Sai aos Seus foi uma das "sitcoms" mais bem sucedidas nos EUA na década de 80, e ainda hoje passa em repetições em vários canais na televisão americana e em outros países. Em 1985, Fox teve a sua segunda grande oportunidade - "Regresso ao Futuro", o filme de ficção científica realizado por Robert Zemeckis e produzido por Steven Spielberg que se tornou um êxito mundial.As reflexões de Fox sobre a sua ascensão ao estrelato não são inovadoras e chegam a ser suspeitas - o homem faz questão de não dizer mal de ninguém, não há em "Lucky Man" nem uma frase de bisbilhotice ou maldizer. Mas em alguns episódios Fox revela uma curiosa sagacidade na análise da sua própria fama.Fox conta a experiência desarmante de, no pico da sua fama, passar por uma banca de jornais em que metade das publicações tinham a sua foto na capa. Nessa época, Fox foi parado por um polícia em Los Angeles quando ia a conduzir muito acima do limite de velocidade; quando o polícia o reconheceu, Fox conta que este quase lhe pediu desculpa e o mandou embora dizendo: "Veja lá, tenha cuidado, não queremos que o senhor se magoe."Por essa altura, Fox entrou no clássico padrão autodestrutivo das estrelas - excesso de álcool, alienação, insegurança. Mas, em 1990, veio Parkinson. Fox atravessou os estados clássicos por que passa um ser humano a lidar com a tragédia. Negação, fúria, desespero, aceitação. A fase de negação durou até que a doença deixou de ser um mero incómodo para se tornar um modo de vida.De espasmos na mão e no braço, Fox passou a uma fase em que não tinha controlo sobre todo o lado esquerdo do seu corpo. Uma operação ao cérebro diminuiu os sintomas, mas os tremores voltaram no lado direito. A doença de Parkinson não tem cura e os seus efeitos agravam-se com o passar do tempo. Fox disfarçou a doença através do uso judicioso de medicamentos, que lhe permitiam, por períodos limitados, controlar o seu próprio corpo.Em 1995, depois da morte do pai, Fox chegou finalmente à fase de aceitação da sua doença. Lançou uma nova série televisiva, Spin City, que também foi um sucesso. Mas foi só em 1998 que Fox revelou publicamente que tinha a doença de Parkinson. Demasiado debilitado para continuar a trabalhar como actor, Fox iniciou uma nova fase da sua vida, em que o seu papel principal é de activista pelo combate à doença.Para a maioria dos americanos, e não só, foi um choque ver Fox em entrevistas e aparições públicas já claramente tomado pela sua doença. Em audiências perante o Congresso para pedir mais financiamentos à investigação da doença de Parkinson, Fox decidiu falar sem estar sob o efeito dos medicamentos que lhe permitem controlar os sintomas.O resultado foi devastador. "Parecia que havia um bruto a sacudir-me enquanto eu falava. A minha cabeça contorcia-se, entortando os meus óculos, como se me estivessem a bater na nuca. Tinha de lutar para segurar as páginas do meu discurso, como se alguém estivesse a tentar arrancar-me os papéis das mãos." A imagem do rosto familiar de Fox em espasmos grotescos converteu-se num símbolo da tragédia da doença de Parkinson.Fox voltou a falar ao Congresso este ano, com a companhia de outro dos mais famosos doentes de Parkinson, o pugilista Mohammed Ali, e é a cara do movimento de combate à doença. Mas Fox recusa ser objecto da comiseração dos outros. "Lucky Man" não é um livro de autocomiseração, antes pelo contrário. Fox diz que não voltaria atrás mesmo que pudesse.Com o tipo de esperança e ingenuidade de que só um americano (ou, pronto, um canadiano) seria capaz, Fox diz-se um "homem de sorte", e espera poder "dançar no casamento" dos seus filhos. O tom honesto e comovente desta autobiografia (escrita pelo próprio Fox, sem um "ghost writer") leva o leitor a desejar que ele o consiga.