Alfredo Magalhães Ramalho, um nome esquecido da Ciência
O facto de ter morrido há bastante tempo, em Novembro de 1959, aos 65 anos, de ataque cardíaco, faz com que o grande público não tenha qualquer memória dele. Mas isso não é motivo suficiente para o esquecimento. Por alguma razão, o nome de Magalhães Ramalho não é daqueles que costuma ser falado - como resultado, é conhecido apenas dos investigadores que se dedicam a assuntos estudados por ele e, por isso, volta lá se cruzaram com trabalhos da autoria de Magalhães Ramalho.
Entre esses trabalhos está o da sardinha, espécie de grande valor comercial, à procura da razão porque as populações variam tanto de um ano para o outro. "O estudo da sardinha é para Magalhães Ramalho o projecto científico da sua vida, em que se empenha desde 1921 e cujo comportamento o deixa intrigado", lê-se num folheto editado pela Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) em homenagem a Magalhães Ramalho. Em 1947, introduziu a análise estatística em larga escala das populações da sardinha, mas só sistematizou este estudo entre 1952 e 1956. "Apesar dos resultados promissores, Magalhães Ramalho não os considera, em 1956, ainda suficientes para iniciar a sua análise conclusiva. Nesse ano, a sua já abalada saúde leva-o a terminar a actividade científica. A vasta investigação que organizou para o estudo das flutuações das populações da sardinha em Portugal ficava, em sua opinião, incompleta."
O biólogo Pedro Ré foi um dos que cruzou com os estudos de Magalhães Ramalho, quando, nos anos 70, começou a trabalhar no Laboratório Marítimo da Guia, perto de Cascais, e se interessou pela sardinha. "Quando faleceu, eu tinha três anos. Mas tive de estudar as publicações que havia. Nesses trabalhos de Magalhães Ramalho transparece uma atitude actual e multidisciplinar. Perceber porque há flutuações nos recursos era inovador. Nos anos 50, não havia muita gente a trabalhar nisso." Hoje, acrescentou Pedro Ré, a variabilidade das populações é o tema central da biologia pesqueira.
Mas Magalhães Ramalho não se dedicou só ao estudo da sardinha, nem foi por aí que iniciou a vida profissional. A pensar em engenharia, estudou medicina, tendo-se doutorado, com 20 valores, em 1020: "Mas o desinteresse por esta formatura agrava-se com a sua passagem pelos hospitais civis e militares durante a epidemia de gripe pneumónica de 1918", conta-se no folheto.
O tempo que passa como assistente do professor doutor Augusto Celestino da Costa, regente da cadeira de histologia, levou-o a interessar-se cada vez mais pela biologia. Como assistente de Celestino da Costa, desenvolveu desde 1915, na Faculdade de Medicina de Lisboa, trabalhos de histologia e embriologia sobre órgãos de peixes. Em 1917, como membro da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, trabalha como assistente voluntário no Aquário Vasco da Gama, em Algés. "O Aquário Vasco da Gama vai marcar a vida de Alfredo Magalhães Ramalho", referiu o almirante José Bastos Saldanha, presidente da Secção de Geografia dos Oceanos da SGL.
Os cruzeiros no "Albacora"Pode dizer-se que, no aquário, a sua vida profissional mudou de direcção: quando é ali criada a Estação de Biologia Marítima de Lisboa, em 1919, Magalhães Ramalho foi nomeado naturalista assistente. Continuou a trabalhar com Celestino da Costa, o primeiro director da estação. Logo em 1920 foi para França participar num cruzeiro científico no navio "Perche" e aprender sobre as técnicas dos trabalhos oceanográficos. Em 1924, é nomeado director do aquário e da estação, e vai para a Noruega tratar do apetrechamento de um navio oceanográfico que o Estado português mandou construir, o "Albacora".
Aproveita a estadia na Noruega para, em Bergen, continuar a fazer viragem profissional para as ciências do mar: durante três meses, frequentou um curso de oceanografia física. "Não é vulgar um homem com uma formação em ciências médicas estudar, com facilidade, a física dos oceanos", referiu Bastos Saldanha. "Deixou uma obra notável, de grande actualidade, no campo da oceanografia e na sua aplicação pesqueira."
No "Albacora", desde 1925 até ao desarmamento do navio, em 1940, organizou e dirigiu diversos cruzeiros científicos. O que estudou? Além da sardinha, nessas campanhas fez-se o estudo das condições físico-químicas das águas costeiras portuguesas e a sua influência nas espécies mais capturadas, do plâncton, da circulação oceânica no estreito de Gibraltar e da água mediterrânica escoada no Atlântico ou, ainda, da influência da topografia acidentada e irregular na circulação e dinâmica dos oceanos. Por tudo isto, todos disseram, como o biólogo Mário Ruivo, colaborador de Magalhães Ramalho nos finais da década de 40 e nos anos 50, que foi um dos pioneiros da oceanografia em Portugal e tinha uma visão multidisciplinar dos fenómenos oceânicos.
Magalhães Ramalho também se dedicou aos problemas da sobrepesca, numa época em que o lema era construir cada vez mais embarcações de pesca. A este interesse não era alheio o facto de ter traduzido para português, em 1943, o livro "O Problema da Sobrepesca", do biólogo inglês E. S. Russel - "obra que introduz no nosso país uma visão pioneira sobre a importância da gestão nacional dos recursos piscatórios", sublinha-se no folheto.
Quando terminaram as missões científicas do "Albacora", Magalhães Ramalho concentrou-se nas publicações: a Estação de Biologia Marítima de Lisboa iniciou então uma nova fase de actividade com publicação de catálogos de várias colecções oceanográficas nacionais, como a do rei D. Carlos I, estudos sobre o plâncton, a sardinha, o atum ou a amêijoa do Algarve.
O nome de Magalhães Ramalho até pode ser desconhecido para muitos, mas já chegou à rua. Quem passar por Algés, encontra, desde o ano passado, uma avenida com o nome do cientista perto do Aquário Vasco da Gama e do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar) - o sucessor do Instituto de Biologia Marítima, que por sua vez, em 1951, se havia separado do aquário e sucedido à Estação de Biologia Marítima. É a única rua em Portugal, disse Bastos Saldanha, com o nome de Alfredo Magalhães Ramalho.