Uma chuva de lágrimas
Uma das iniciativas mais singulares do programa: a retrospectiva dedicada a Dominique Gonzalez-Foerster, a criadora e videasta francesa.
A retrospectiva que Vila do Conde dedica a Dominique Gonzalez-Foerster (3 de Julho, 23h) é uma das iniciativas mais singulares do certame. Nome sobretudo reconhecido pelos frequentadores de exposições de arte contemporânea, a criadora e videasta francesa (Strasbourg, 1965) tem actualmente patente, na Documenta XI, em Kassel, Alemanha, um dos trabalhos que mais se destacam nessa mostra: "Park -a Plan For Escape", espaço ao ar livre que inclui um pavilhão com uma projecção vídeo, uma cabine telefónica, uma cadeira, uma pedra de lava, uma palmeira, areia e outros adereços de diferentes zonas do planeta, do México ao Brasil, passando pelo Japão.A retrospectiva em Vila do Conde está centrada nas obras cinematográficas da artista - embora seja também possível encontrar na secção "Work in Progress" a instalação "Répérages Riyo" -, algumas realizadas em colaboração com Ange Leccia. Dominique revela que a sua primeira câmara foi uma mini DV e informa ainda a sua permanente paixão pelo cinema - em "Chambres", a sua série mais conhecida, na qual a criadora, segundo o crítico de arte Nicolas Bourriaud, em "Postproduction-Culture as Screenplay: How Art Reprograms the World (Lukas & Sternberg, 2002), "explora a esfera do doméstico colocando-a em relação com as questões sociais mais quentes", Dominique recriou o apartamento de Rainer W. Fassbinder ("R.W.F.", 1993).Se a descoberta da montagem aconteceu com "Île de Beauté" (1996), as obras seguintes - as curtas "Riyo" (1999), "Central" (2001) e "Plages" (2001), que vão ser exibidas - constituem um tríptico de deslumbrante beleza melancólica. O primeiro é um "travelling" de 600 metros ao longo do rio Kamo, em Kyoto, atravessado por uma conversa telefónica entre dois adolescentes apaixonados; "Central" é um filme em super-8 sobre a solidão urbana, narrado por uma mulher que espera a chegada do irmão no terminal Star Ferry, em Hong Kong; finalmente, "Plages", rodado em Panavision, revela uma multidão, toda vestida de branco, à noite, na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, no dia 31 de Dezembro de 2000.Em texto escrito, Dominique diz que os três filmes são marcados pela chuva, a chuva tropical dos filmes de Tsai Ming-liang ("Vive l'Amour"; "O Rio"): "Quando parti de Taipé para ver o parque onde tinha sido filmado 'Vive l'Amour', fiquei presa durante uma hora, abrigada num pequeno teatro com um grupo de pessoas, a olhar para uma chuva interminável que inundava os bancos vermelhos, os mesmos bancos onde no final de 'Vive l'Amour' aquela rapariga chorava interminavelmente". E acrescenta: "Uma chuva de lágrimas. As lágrimas que me fizeram ter vontade de fazer filmes".Uma outra curiosidade da restrospectiva é o pequeno filme "Ann-Lee in Anzen Zone ['zona de segurança', em japonês]" (1999). Ann-Lee é uma personagem inventada para figurar num qualquer manga nipónico cujos direitos de exploração foram adquiridos por Pierre Huyghe e Philippe Parreno, colaboradores de Dominique. Com esta heroína, Huyghe e Parreno deram início ao projecto colectivo "No Ghost Just a Shell", produzido por Anna Sanders. O primeiro realizou "Deux Minutes en Dehors du Temps", o segundo criou "Anywhere Out of the World". No terceiro episódio, o mais poético, a francesa exprimentou o 3-D, "um tipo de imagens que ainda surpreende, mesmo emocionalmente; muito minimais, pouco sobrecarregadas, elas são talvez, ao mesmo tempo, um bom veículo para as novas psicologias". E continua: "Queria ir na direcção de algo muito ficção científica, um pouco inquietante, que continue a trabalhar sobre uma sensação do filme, do cinema como terra estranha".O epílogo do festival (noite de 7 para 8 Julho, 00h30) conta com a colaboração de Dominique, que, no bar Nox Lounge, exibe "Ipanéma Théories", trabalho dividido em 19 partes e assinado com Ange Leccia. Cada apresentação do filme - inspirado em "O Eclipse", de Antonioni - é musicado por um dj. Para o efeito, foi convidado o alemão Rainer Trüby, da editora Compost, considerado por Gilles Peterson, LTJ Bukem e Peter Kruder um dos manipuladores sonoros mais importantes da actualidade.