Aquecimento global está a provocar epidemias
O aquecimento global e as alterações climáticas estão a desencadear epidemias em todo o planeta, escreve hoje uma equipa de cientistas norte-americanos na revista "Science". As doenças estão a afectar habitats que vão desde os recifes de coral às florestas tropicais, passando também pelas comunidades humanas. Um estudo feito ao longo de dois anos por investigadores do National Center for Ecological Analysis and Synthesis, dos EUA, analisou, pela primeira vez tão exaustivamente, as epidemias que grassam tanto nos sistemas animais como vegetais e tanto em terra como nos oceanos. Estudaram as doenças que eclodiram recentemente, tentando relacioná-las com a temperatura e as mudanças sazonais. "O que é mais surpreendente é o facto de as epidemias sensíveis ao clima estarem a acontecer com tantos tipos diferentes de agentes patogénicos - vírus, bactérias, fungos e parasitas - e em diferentes hospedeiros, pois incluem corais, ostras, plantas terrestres, aves e humanos", diz o líder da equipa, Drew Harvell, citado num comunicado emitido pela Universidade de Cornell, onde trabalha."Não estamos a falar de alguns casos de branqueamento de corais [o branqueamento dos corais deve-se à perda das zooxantelas - algas que vivem dentro do corpo dos corais, fornecendo alimento em troca de abrigo - ou à diminuição dos pigmentos que realizam fotossíntese nas zooxantelas] ou de malária - o número de aumentos similares na incidência de doenças é surpreendente", afirma, por seu lado, Richard Ostfeld, do Instituto de Estudos sobre Ecossistemas em Millbrook, Nova Iorque, que também participou no estudo. "Não queremos ser alarmistas, mas estamos alarmados".A equipa de investigadores concluiu que há factores comuns ligados ao aquecimento global. "As alterações climáticas estão a modificar os ecossistemas naturais facilitando a vida às doenças infecciosas", defende o epidemiologista Andrew Dobson, da Universidade de Princeton. "A acumulação de provas deixou-nos muito preocupados. Estamos a partilhar doenças com outras espécies. O risco para os seres humanos está a aumentar".A equipa documentou exemplos de vírus, bactérias e fungos associados a doenças que se desenvolvem mais rapidamente com pequenos aumentos da temperatura. Muitos vectores de doenças como os mosquitos, pulgas e roedores, assim como os vírus, bactérias e fungos, são sensíveis às temperaturas altas e à humidade. À medida que a temperatura aumenta, podem espalhar-se para áreas novas e causar efeitos devastadores nas populações de vida selvagem que ainda não tenham estado expostas a estas doenças.A reprodução, o crescimento e o número de picadas dadas por insectos aumentam com o calor. O Inverno limita a vida de muitos patogénios, dizimando-os todos os anos, mas com invernos cada vez mais temperados, este efeito é reduzido. Ao mesmo tempo, verões cada vez mais quentes e mais longos significam que o tempo de transmissão das doenças é também mais longo. Além disso, o calor aumenta a sensibilidade dos seres vivos à doença devido ao stress térmico, o que acontece sobretudo nos oceanos.Para os cientistas, o mais preocupante são as doenças transmitidas por vectores como os mosquitos. À medida que a temperatura aumenta, os insectos infectados espalham-se dos trópicos em direcção aos pólos. Mas enquanto nos trópicos existe grande diversidade de espécies mas um reduzido número de indivíduos em cada espécie, nas zonas temperadas passa-se o contrário: há menos espécies mas mais indivíduos de cada uma. O que acontece é que um menor número de representantes de cada espécie dilui a disseminação de patogénios entre as espécies, pois há sempre a hipótese de o mosquito picar um animal que resiste à doença. Ou seja, a biodiversidade pode ser uma arma contra as doenças e é por isso que as zonas com um leque mais pequeno de espécies são mais vulneráveis: "Qualquer patogénio que consiga espalhar-se das zonas tropicais para as temperadas neste mundo mais quente vai causar um grande impacto, pois pode focar-se em apenas uma espécie abundante que seja susceptível às doenças - por exemplo, nós", diz Dobson.Os investigadores sabem que enfrentar este problema não é fácil, já que é quase impossível prever uma epidemia, sobretudo entre a vida selvagem. Mas também consideram que a realização de mais estudos e uma monitorização eficaz poderiam ajudar. "Precisamos de desenvolver linhas de defesa, pois a situação só tende a piorar com a subida das temperaturas", afirma Harvell. "Não vamos ter apenas um mundo mais quente, vamos ter também um mundo mais doente", remata Dobson.