Ventos de mudança na temporada Gulbenkian

A Fundação Gulbenkian aproveitou os dois últimos concertos do ciclo das Grandes Orquestras Mundiais para distribuir ao público a sua programação musical para 2002/2003. A nova temporada assinala uma mudança de estratégia no que diz respeito à música antiga e à música contemporânea (áreas onde esta instituição foi pioneira em Portugal), já que desaparecem as Jornadas de Música Antiga e os Encontros de Música Contemporânea após, respectivamente, 22 e 26 anos de existência. Estas duas rubricas passam a partir de agora a ser distribuídas ao longo do ano mas, enquanto no primeiro caso temos um ciclo claramente identificado e delimitado, com pelo menos um concerto por mês por intérpretes especializados, no caso da música contemporânea parece existir uma opção deliberada de não a assumir como tal - talvez porque a palavra "contemporânea" pode assustar ainda muitos melómanos...Na brochura distribuída pela Gulbenkian não encontramos pois a menção a um ciclo como nos restantes casos (ciclo de piano, ciclo de canto, ciclo de música antiga, etc.), mas peças pontuais inseridas em recitais (sobretudo de piano) ou concertos com música de outras épocas, um conjunto de quatro concertos de homenagem a Boulez e outro (cinco concertos) que assinala os dez anos da morte de Messiaen. Embora possa ser uma coincidência, o facto do primeiro se realizar em Maio leva a crer que a extinção dos Encontros foi uma contingência recente onde pesam as restrições orçamentais, para além do repensar de uma filosofia de programação. Relembre-se que os Encontros deste ano se viram já bastante reduzidos na quantidade de oferta. A restante programação obedece, grosso-modo, aos padrões dos anos anteriores. Aqui ficam alguns destaques e sugestões.A abertura, a 12 de Outubro, traz-nos o regresso do grande Riccardo Chailly, desta feita à frente da Orquestra Giuseppe Verdi de Milão, num concerto que conta também com a participação de Nelson Freire como solista no celebérrimo Concerto nº2, de Rachmaninov. Em matéria de formações, os grandes destaques vão para a presença de Les Arts Florissantes, de William Christie, com madrigais e trechos de ópera de Rossi, Monteverdi, Lully, Rameau, Handel e Telemann (17 de Novembro), para o regresso da Filarmónica de Berlim, sob a direcção de Mariss Janson (4 de Maio), e para os dois concertos do Coro e Orquestra de Baden-Baden (Friburgo), sob a direcção de Sylvain Cambreling, dedicados a duas obras fundamentais de Messiaen: "La Transfiguration de Notre-Seigneur Jesús-Christ" e a Sinfonia "Turangalila". O primeiro realiza-se a 6 de Abril no Coliseu de Lisboa e o segundo, a 8 de Abril, no Europarque. Regressa também a Academy of Saint Martin in the Fields com o notável Murray Perahia (25 de Março). O ciclo encerra a 24 de Maio com um concerto dedicado à música russa (Tchaikovski e Borodin) pelo Coro e Orquestra do Teatro Bolshoi.Entre os dez concertos dedicados à música antiga (se excluirmos a já citada presença de William Christie), chama-se a atenção para a primeira apresentação em Lisboa do agrupamento italiano La Reverdie, com obras de Guillaume Dufay e de compositores italianos do século XV (11 de Novembro) e para o Ensemble Elyma, de Gabriel Garrido, que interpreta as "Matutini dei Morti", de David Perez, uma obra de enorme sucesso durante a vida do compositor e porventura a mais interpretada em Lisboa (onde Perez trabalhou ao serviço da corte de D. José I) na segunda metade do século XVIII (21 de Outubro). Os restantes programas são igualmente interessantes, mas estão a cargo de intérpretes que nos têm visitado com relativa frequência: o Huelgas Ensembles (que virá interpretar Cipriano da Rore e Orlando di Lassus nos dias 5 e 6 de Outubro), Jordi Savall, Pierre Hantai, Wilbert Hazelzet e Jacques Ogg, Anner Bylsma e L'Archibudelli e Gustav Leonhardt. A única participação portuguesa é a do jovem Ensemble Barroco do Chiado, com um programa dedicado a Durante, Jommelli, Mancini, Vivaldi, Avondano e Seixas.O ciclo de piano é um dos melhor recheados da temporada. Os seus 14 recitais trazem-nos intérpretes de primeiro plano, com tendências e escolas interpretativas muito diversificadas, em programas que se estendem de J.S. Bach, com Angela Hewitt (tocará as Variações Goldberg, das quais poderemos ouvir também a versão em cravo por Pierre Hantai), aos contemporâneos, com Messiaen por Michel Béroff e Dezsó Ranki (uma das grandes revelações para o público português na última Festa da Música), Lachenmann por Till Felner, Thomas Adès por Andreas Haeffliger, George Crumb por Antonio Ballista ou Boulez por Rolf Hind. As restantes participações incluem outros mestres exímios do instrumento como Zoltán Kocsis, Radu Lupu, Mikhail Pletnev e Grigory Sokolov. Entretanto, Sequeira Costa continuará a integral das sonatas de Beethoven.A Gulbenkian tem sido responsável pela actuação em Portugal de algumas das mais eminentes vozes do actual panorama musical, uma política que se mantém na ordem do dia na próxima temporada, da qual fazem parte dez recitais de "Lied". Logo a abrir, teremos Dmitri Hvorostovski, com um recital dedicado a Chostakovich (22 de Outubro), seguido do regresso de Felicity Lott, a 12 de Novembro. Thomas Quasthoff, Galina Gorchakova, Vesselina Kasarova, Nathalie Stutzmann, Karita Mattila e Samual Ramey são mais alguns dos intérpretes a não perder.Bastante mais desfalcado do que em alguns dos anos anteriores em matéria de quartetos de cordas de topo, o ciclo de música de câmara ficará marcado pela presença dos quartetos de Tóquio, Talich, Zehetmair e Parisii, este último como um dos participantes da homenagem a Boulez e o intérprete das obras de Emmanuel Nunes, Pedro Amaral (encomenda da Gulbenkian) e João Rafael. Destaca-se ainda a presença do Sexteto de Cordas da Filarmónica de Berlim e de instrumentistas como Gidon Kremer, António Meneses, Tabea Zimmermann, Salvatore Accardo e Bruno Canino.As formações da casa propõem 26 programas bastante diversificados com alguns solistas de eleição, por exemplo Véronique Gens, Jian Wang, Radu Lupu, Jenifer Larmore, Hilary Hahn, Katia e Marielle Labèque ou Stephen Hough. Prossegue a integral das sinfonias de Beethoven assim como a apresentação das óperas de Mozart sobre libretos de Da Ponte em versão de concerto pela iniciativa do novo titular da orquestra Lawrence Foster, desta feita com o "Così fan Tutte". A Orquestra Sinfónica Portuguesa terá também uma actuação na Gulbenkian, sob a direcção de Emilio Pomarico, num dos mais importantes concertos dedicados a Boulez (com Quadrivium", de Bruno Maderna, e "Rituel 'in memoriam Maderna'", de Boulez), e prosseguem os recitais pelos Solistas da Orquestra Gulbenkian. No dia 19 de Maio, estes últimos estrearão um Quinteto, para oboé e cordas, do português Eugénio Rodrigues.

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