Trekkers à portuguesa

Praticam o culto "Star Trek". A encenação também é uma parte dos adereços. Quando vão para as convenções vestidos a rigor, têm de enfrentar a pergunta: "onde é que deixaram a nave?". Mas eles não se deixam intimidar. São os "trekkers" portugueses.

"Muitas vezes, quando vamos às nossas convenções vestidos com os nossos uniformes de 'Star Trek' há quem se vire para nós e pergunte: 'onde é que deixaram a nave?'". Não é carnaval. Para Guida Caldeira, 33 anos, designer gráfica de profissão e uma das sócias fundadoras do Clube Star Trek Portugal (CSTP), a questão é séria. Ela, como outros, praticam o culto "Star Trek" até ao limite. A encenação também é uma parte dos adereços - para além dos uniformes e restante parafernália, cada membro toma uma personagem tirada da série. Assumindo a ascendência da ficção científica, os membros do CSTP mantêm-se desta forma, dir-se-ia obstinada, indiferentes às críticas. Conhecem-se entre si como "Trekkers". culto urbano. Fundado em Dezembro de 1999 em Lisboa, o CSTP - agrupa 86 sócios, tem sede na casa de um dos fundadores - tem como objectivo reunir fãs. À maneira de outros cultos urbanos, "Star Trek" abre-se a múltiplas leituras e a centenas de objectos de "memorabilia". Os membros da SCTP coleccionam objectos, lêem os livros da série, copiam uniformes, atitudes. Spock era decidido? Os fãs também. Fenómeno "camp", assumem-se como "fãs verdadeiros de Star Trek". Na sede do CSTP, sentam-se ao computador em poses hierárquicas como se estivessem a bordo da Enterprise. Só falta aparecer o Spock...De onde vem o fascínio por uma série que conta já com quase quatro décadas de existência? "Tem uma magia especial", diz Guida Caldeira, lembrando da primeira vez que viu "Caminho das Estrelas"."Foi quando era nova, nos anos 70, quando a série original passou na RTP". Nessa altura, não ligou: era mais uma série a juntar a outras, como "Espaço 1999". Foi nos anos 90 que "Star Trek" lhe despertou a curiosidade, quando a TVI passou a sequela "ST: Deep Space Nine". Desde essa altura, tornou-se também ela numa "trekker". Afinal, como dizia a voz do genérico da série original, a nave NCC-1701 USS Enterprise saía pela primeira vez para o espaço para descobrir novas gentes e lugares, indo onde nenhum homem jamais fora. Mesmo que se goste mais das sequelas, como Dani Domingues, 34 anos, professora primária, sócia do SCTP e uma das fundadoras fanzine "Warp Fanzine" dedicado ao universo de Star Trek, que tem na sequela televisiva "Voyager" a sua preferida. A Warp é outra das extensões do universo de Star Trek em Portugal. Há três anos vem reformulando a herança desse imaginário. No entanto, "ao contrário do SCTP, que é um clube de fãs, a Warp é um fanzine", explica Dani Domingues. A abordagem é mais teórica. Uma página na net prolonga o fanzine, editando todo o tipo de informações sobre a série. Nele, podem ser feitas pesquisas sobre o historial da série, desde as personagens, enredos e informações sobre episódios, até à venda de merchandasing. De forma descomplexada, os fãs têm ido buscar as possibilidades da tecnologia, deixando que as experiências os façam aceder a novos rumos. "Fazemos imensos 'downloads' da net, de episódios não disponíveis em Portugal", conta Dani. E na linha de clubes estrangeiros com os quais mantêm contactos, a Warp e o CSTP promovem eventos onde juntam outros "trekkers". "Não temos condições de fazer aquelas convenções do estrangeiro, que dispõem de mais meios. No nosso caso, marcamos mensalmente encontros em restaurantes, onde a maior parte dos fãs vêm com os seus uniformes", explica Guida Caldeira, salientando o desejo de muitos sócios em participar nas convenções internacionais. "Costumamos ir a uma em Madrid. Vamos para conseguirmos arranjar material menos disponível. E também porque os actores das séries costumam estar presentes. Estamos a pensar ir para o ano a Itália, onde vai estar presente Leonard Nimoy (Spock)", diz Guida. Onde os trekkers mais têm investido é na aproximação ao universo dos bastidores, dos livros de rodagem, das biografias. "É algo que passa também pelos uniformes", explica Guida, salientando que o seu, ao contrário dos restantes sócios, foi feito pela mãe. "Os originais são difíceis de obter, podendo custar cerca de 250 euros". kitsch e nostalgia. Para todos, "Star Trek" tem os ingredientes do culto: viagens interplanetárias, ambientes exóticos, personagens "bigger than life" como Spock e Kirk. Antes de ser uma saga de filmes e de séries, é também um conceito que, desde que se estreou, em 9 de Agosto de 1966, continua a alimentar a memória dos fãs. "Todos aqueles penteados poderiam ser um pouco kitsch; as próprias mini-saias. Contudo, era já uma série bastante diferente da ficção científica da altura, como 'Forbidden Planet'", explica Dani.Para César Laia, investigador científico de 32 anos, que se considera mero apreciador, o universo da série está algo datado. "Acho contudo que marcou a geração dos anos 60 e 70. Nesse sentido, gosto mais da série original. Até por causa dos ambientes e das história - eram mais interessantes". Questionado sobre um possível lado "kitsch", afirma: "Não acho. Creio que retratou bem a época e que até é bastante sóbria. Não era voluntariamente 'camp'".Como ele, e também refutando esse excessivo apego à "memorabilia", há outros fãs "normais". Como Michael, 32 anos, técnico informático, que também gosta sobretudo da série original e dos filmes. "Acho que as séries que lhe seguiram não acrescentaram nada. Na 'Next Generation', ainda havia o andróide, mas nada que se comparasse a Spock e ao Capitão Kirk" Quem descobriu a série na adolescência e vê hoje os episódios serem repetidos pela SIC Radical não pode deixar de sentir nostalgia. "O Capitão Kirk era a minha personagem preferida. Se Spock era o lado racional - apesar de me interessar pelos seus poderes psíquicos -, Kirk era a inteligência emocional: preferia sacrificar-se a sacrificar a tripulação. A "Star Trek" original, apesar de ser algo rudimentar e estar aquém da tecnologia de que hoje dispomos, era uma série muito rica - sobretudo, a nível de ideias", conclui Michael.

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