O sobrenatural está em alta no cinema americano. Já o sabemos desde "O Sexto Sentido", que terá sido o ponto a partir do qual os fantasmas e outros ecos do além começaram a aparecer por todo o lado. Esta espécie de crença colectiva numa continuidade entre este mundo e um mundo "post mortem" terá as suas justificações teóricas - sociológicas, psicológicas - mas também as tem mais comezinhas. Sobretudo quando deparamos com "Dragonfly"/ "O Poder dos Sentidos", onde o recurso ao sobrenatural pouco mais é do que uma receita melodramática utilizada sem imaginação, levada até aos limites do sentimentalismo.
Não é preciso rebuscar muito nos baús da história do cinema para encontrar belos exemplos de melodramas onde a relação com uma instância sobrenatural era a chave, o princípio, o meio e o fim - "O Fantasma Apaixonado / The Ghost and Mrs. Muir", de Mankiewicz, ou "O Retrato de Jennie", de William Dieterle, para ficarmos com dois exemplos sobejamente conhecidos. É nesse terreno que "Dragonfly" se instala, para mal dele. Eis a história: Kevin Costner é um médico que perde a mulher num acidente de autocarro na Venezuela (aonde fora numa missão humanitária); não só demora a ajustar-se à realidade e a aceitá-la como começa a ver e ouvir estranhos "sinais", que cada vez mais o convencem de que "alguém" lhe está a querer dizer alguma coisa, muito provavelmente a sua mulher; depois de breve hesitação quanto ao estado da sua saúde mental, o impulso manda-o levar os sinais a sério e partir na direcção por eles indicada, confirmando assim que de facto a mulher lhe estava a querer dizer algo; resolvido isso, é, finalmente, a paz e a aceitação.
Como noutros casos recentes, Tom Shadyac (tarefeiro mais conhecido por embrulhar veículos para Jim Carrey ou Eddie Murphy) não pára um bocadinho para pensar na história que tem em mãos. Deixa-se ir, genuinamente embasbacado pelo sentimentalismo (que em grande parte do filme roça a pieguice pura e simples), recorrendo aos sacrossantos efeitos especiais para reforçar a presença do sobrenatural (e porque para dar "credibilidade" à história é preciso não esquecer que estamos paredes meias com o "fantástico").
Havia pelo menos um bom tema no argumento - o luto - mas o filme esquece-o em função da prioridade narrativa: investigar o que são aqueles sinais e o que querem eles dizer. Como se tudo tivesse que estar bem fundamentado, como se fosse preciso criar verosimilhança na fantasia, e não pudesse ser ao contrário, deixar a fantasia criar a sua própria verosimilhança.
"Dragonfly" acaba assim por ser um filme pobre, estritamente construído em função de um clímax que é suposto deixar os espectadores num vale de lágrimas (e que é, por mérito próprio, um pequeno apogeu do mais fácil sentimentalismo). Tem-se pena, sobretudo por Kevin Costner - com a sua aura de herdeiro de Gary Cooper é dos poucos actores contemporâneos a quem um papel destes parece talhado por natureza. Mas o seu "casting" é porventura a única coisa plenamente justa e deste tristíssimo "Poder dos Sentidos".