Exposição dedicada a Soror Mariana Alcoforado abre hoje ao público em Beja
Uma iniciativa do Presidente da República no âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que reúne pela primeira vez um conjunto de documentos biográficos sobre a freira de Beja e o marquês de Chamilly, fundamentais "para contrariar a ideia de fraude sobre a autoria das cartas", frisa José Manuel dos Santos, assessor para os Assuntos Culturais da Presidência da República.
O documento mais importante, citado em 1966 por António Belard da Fonseca, trazido da Torre do Tombo para exposição e mostrado pela primeira vez ao público, confirma a presença do marquês de Chamilly em Beja, durante a guerra da Restauração. "Na exposição estão em confronto todas as teses furiosamente a favor e contra a autoria das cartas por Mariana Alcoforado", mas o que os vários documentos biográficos em redor de Mariana e Chamilly provam é que eles certamente se encontraram em Beja no século XVII. O documento da Torre do Tombo é o "alvará de D. João IV relativo ao regimento de Briquemault em que se menciona Noël Bouton, conde de Saint-Lèger e marquês de Chamilly em campanha no Alentejo" e está incluído no Livro dos Registos da Província do Alentejo 1660-70 do Conselho de Guerra.
No convento aos 11 anosOs testemunhos documentais que o público vai poder apreciar evidenciam e tornam "palpável a vida e a obra de Soror Mariana, desde o nascimento até à sua morte, com 83 anos", sustenta o comissário José António Falcão, director do Departamento do Património da Diocese de Beja.
Nascida em 1640, poucos meses antes da restauração da independência em Portugal, Mariana Alcoforado tem como padrinho Francisco da Gama, conde da Vidigueira, relata o seu termo de baptismo. Descendente de Francisco Costa Alcoforado, oriundo de uma família da nobreza rural transmontana, e de Leonor Mendes, filha de abastados proprietários da cidade de Beja, Mariana entrou com 11 anos no Convento da Conceição de Beja, onde professou com 16 anos.
Em meados da década de 1660, as campanhas da guerra da Restauração trouxeram até ao Alentejo o fogoso Noël Bouton. Casualmente este faz amizade com um dos irmãos de Mariana durante as campanhas militares contra os espanhóis, facto que terá contribuído para lhe facilitar acesso ao reduto de clausura da freira esbelta, então com 23 anos.
Consumada a paixão, Soror Mariana vê o amado cavaleiro de Chamilly partir repentinamente para França, "desprezando as súplicas que lhe fizera para a levar consigo", lembra José António Falcão. A ausência do conde deixa Soror Mariana prostrada pela saudade. O dramatismo e a exacerbada sensibilidade que emanam das cinco cartas que Soror Mariana fez chegar ao senhor de Chamilly "iam ao encontro de uma moda da época que valoriza o relato de amores exóticos ou clandestinos", salienta.
Alguém decide traduzir as cartas para o francês e publicá-las na sua primeira edição em 1669, exemplar presente na exposição. O escritor Guillerages, dado como o tradutor do português para o francês, terá intervido nas cartas originais, "enriquecendo-as a aperfeiçoando-as", porque "dificilmente uma freira portuguesa a viver em Beja atingiria aquele nível de ficção literária, psicologicamente muito sofisticado", diz José Manuel dos Santos, sublinhando a existência no texto de "preciosismos estilísticos comuns à literatura francesa da época". Mas é também necessário chamar a atenção para a dificuldade "de criar, a partir do nada, aquela ficção", pois "os factos e as circunstâncias batem todos certos".
600 versões traduzidasMariana Alcoforado, mostram os documentos da exposição, era a escrivã do convento e chegou a ser candidata ao cargo de abadessa, devendo ser "uma freira ilustrada com dotes literários" cheios de "riqueza emotiva e humana".
Ao longo de três séculos as "Cartas Portuguesas" foram consolidando uma projecção universal que supera Camões e Eça de Queiroz, originando mais de 600 versões traduzidas em várias línguas ao longo dos últimos três séculos, como se demonstra na exposição.
"É espantoso que uma personagem com tanta ressonância mundial não tenha a projecção que merece na sua terra", comentou José Manuel dos Santos, a propósito da pouca relevância que tem sido prestada pela comunidade local ao peso literário das cartas de Soror Mariana que mobilizam, todos os anos, uma legião de turistas que querem conhecer pormenores da vida e obra da religiosa.