Maria Velho da Costa vence Prémio Camões
O júri do Prémio Camões, que incluiu pela primeira vez representantes dos países africanos de expressão portuguesa, anunciou ontem ter escolhido por unanimidade como galardoada deste ano a romancista Maria Velho da Costa, em cuja obra destaca a "inovação no domínio da construção romanesca, no experimentalismo sobre a linguagem e na interrogação do poder fundador da fala". A entrega formal do prémio, que este ano atinge perto de 100 mil euros, só irá decorrer no final de Julho próximo, por ocasião da cimeira luso-brasileira que irá ter lugar em Brasília. Em todos os depoimentos recolhidos pelo PÚBLICO se reconhece a justiça da escolha, mas nem por isso o nome de Velho da Costa deixou de ser uma surpresa. Desde logo, pelo facto de o anterior premiado ter já sido um português - o poeta Eugénio de Andrade -, uma situação que, até agora, só ocorrera nos anos de 1995 e 1996, com Saramago e Eduardo Lourenço. "Fomos nós que quebrámos o enguiço", brincou este último, manifestando a sua satisfação pela escolha de Maria Velho da Costa, que não hesita em considerar "uma das maiores prosadoras da história da literatura portuguesa". É também a primeira vez que o prémio é atribuído a um escritor nascido depois dos anos 20 do século passado, excepção feita ao angolano Pepetela, que integrou o júri deste ano, a par do poeta moçambicano José Craveirinha - que votou telefonicamente por não se ter podido deslocar a Portugal -, das ensaístas Isabel Pires de Lima e Isabel Allegro de Magalhães, em representação de Portugal, e dos brasileiros Alberto da Costa e Silva e Alfredo Bosi. A reunião do júri durou cerca de duas horas e meia, o que parece um pouco excessivo para uma decisão tomada por consenso. Mas, segundo o PÚBLICO apurou, o que demorou mais tempo foi conseguir-se um acordo quanto à hipótese de o prémio voltar a ficar em Portugal, bem como à possibilidade de que este fosse atribuído a uma escritora da geração de Velho da Costa, que nasceu em 1938. Uma vez ultrapassados estes "tabus", a escolha da autora de "Casas Pardas" (1977) e "Lúcialima" (1983) não terá provocado quaisquer polémicas. Ainda assim, foram muitos os nomes que, numa primeira fase, estiveram em cima da mesa. Um deles foi o da romancista Agustina Bessa Luís - os poetas estavam prejudicados pela escolha de Eugénio em 2001 -, referida como eventual favorita pela própria imprensa brasileira. As principais novidades do prémio deste ano foram a presença no júri de dois representantes dos países africanos de expressão portuguesa - até aqui compunha-se sempre de três portugueses e outros tantos brasileiros - e o significativo aumento da dotação pecuniária, que subiu de doze mil para vinte mil contos, financiados equitativamente pelos governos português e brasileiro. O livro que lançou internacionalmente o nome de Maria Velho da Costa foi a obra colectiva "As Novas Cartas Portuguesas" (1972), na qual participaram, também, Isabel Barreno e Maria Teresa Horta. A obra marcou profundamente a sociedade portuguesa da época e custou às respectivas autoras um processo judicial - foram proibidas de sair do país e não podiam ser referidas na imprensa -, do qual só se veriam livres após o 25 de Abril de 1974. Mas já alguns anos antes, em 1969, Maria Velho da Costa revolucionara a ficção portuguesa contemporânea com "Maina Mendes", cuja protagonista é uma mulher que perdeu a fala e que, a partir dessa mudez, para citar o prefácio de Eduardo Lourenço à segunda edição do livro, vai "inventar a fala, nem masculina nem feminina, apenas autónoma e soberana, de que os homens usufruem sem riscos e desde sempre, por direito divino". Também o júri do Prémio Camões, na comunicação ontem enviada à imprensa, evoca as "vozes inovadoras e rebeldes" das personagens femininas da autora, bem como "o constante diálogo" que os seus diferentes registos de escrita "estabelecem com as grandes obras da literatura ocidental, e particularmente com as culturas de língua portuguesa". Velho da Costa estreou-se em 1963 com o livro de contos "O Lugar Comum", a que se seguiu o já referido "Maina Mendes". Em 1977, publica "Casas Pardas", que evoca os tempos anteriores e imediatamente posteriores à revolução de 1974 através da voz de várias protagonistas, cujos testemunhos são apresentados num registo próximo do do monólogo dramático. A crítica tem reconhecido a esta obra a capacidade de desconstruir o romance tradicional sem, contudo, abdicar dos seus processos. No final dos anos 70, a autora publica dois livros que estão mais próximos da poesia do que da prosa: "Da Rosa Fixa" e "Corpo Verde". Na década seguinte, edita, com a chancela da D. Quixote, dois títulos centrais na sua obra, os romances "Lúcialima" (1983) e "Missa in Albis" (1989). Entre as suas obras mais recentes contam-se o volume de contos "Dores" (D. Quixote, 1994), a peça "Madame" (Cotovia, 2000), sobre textos de Eça de Queirós e Machado de Assis, o romance "Irene ou o Contrato Social" (D. Quixote, 2001), que lhe valeu o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, e um novo livro de contos, "O Amante do Crato" (acabado de lançar pela ASA).