Nova ponte com vista para a antiga

Depois de ter descarregado toda a sua fúria contra os velhinhos pilares da Ponte de Hintze Ribeiro, o rio Douro foi benevolente para com a obra de arte que assume o nome de baptismo da fatídica travessia: nunca, durante os quase 12 meses de construção da nova ponte que junta a margem de Entre-os-Rios à de Castelo de Paiva, as águas se revolveram na torrente acastanhada e barrenta que marcou o mais trágico acidente rodoviário em Portugal. "Foi uma luta grande, um enorme esforço, mas tivemos muita sorte. O S. Pedro ajudou", desabafava um responsável ligado à obra.Desde o final de Junho de 2001, e num tempo considerado recorde, o que restava da centenária Hintze Ribeiro foi retirado do Douro e uma nova obra de arte cresceu no seu lugar. No rescaldo do desastre, a ideia era que o Instituto para a Construção Rodoviária (Icor) garantisse a reconstituição da Hintze Ribeiro enquanto se preparava a construção de uma nova ponte, servida por acessibilidades também novas - a construção de uma variante às estradas nacionais n.ºs 108 e 224 e a recuperação e beneficiação da rede viária do concelho de Castelo de Paiva. Mas, no decorrer dos estudos, essa opção veio a ser afastada por se concluir ser inviável."A conclusão a que se chegou era que essa solução, que supunha a reconstrução à custa do reforço das fundações dos pilares da ponte que não caíram, era uma solução de risco e poderia até não ter viabilidade do ponto de vista da realização", explicou ao PÚBLICO um elemento ligado ao projecto. O estado em que se encontravam os pilares não garantia uma consolidação eficaz da estrutura, pelo que a ideia original caiu enquanto se tentava, contra o relógio, elaborar o projecto de uma ponte nova.Tomada essa decisão, verificou-se ainda a necessidade - que segundo o Icor decorreu da vontade de evitar gastos adicionais com "elevadas expropriações" - de deslocar o local de implantação da nova ponte. Segundo o PÚBLICO apurou, na margem direita do rio existe um solar antigo cuja expropriação faria disparar o custo estimado da empreitada: 5683 milhões de euros (cerca de 1,1 milhões de contos). A nova Hintze Ribeiro nasceu, assim, cerca de sete metros a montante da antiga: uma espécie de "purga", que contemplou ainda a retirada de grande parte dos escombros caídos no rio - alguns mantêm-se à vista - e da estrutura que resistiu ao acidente, à excepção dos dois pilares junto às margens, que ainda se mantêm (aliás, o monumento de homenagem às vítimas vai ficar instalado junto ao pilar sul).Apesar do Icor justificar a deslocação da ponte apenas com a necessidade de "evitar elevados custos de expropriações", é possível que nesta decisão tenham pesado ainda razões de ordem geotécnica. É que estes sete metros poderão fazer toda a diferença em termos das condições do solo com que os engenheiros se depararam - algumas informações dão conta da inexistência de areia no local da nova ponte, o que significa que as fundações estão encastradas na rocha, garantindo uma maior estabilidade e praticamente eliminando os factores de risco que estiveram na origem do acidente de 4 de Março de 2001.De resto, as grandes diferenças entre a velha e a nova Hintze Ribeiro são as que decorrem do facto de entre a construção de uma e da outra terem passado 116 anos. O tipo de solução adoptada pelos projectistas é a mesma: uma ponte assente em estacas. Só os materiais, as técnicas de construção e os conhecimentos científicos são diferentes. A nova ponte, embora relativamente mais pequena em extensão, está assente nos mesmos cinco pilares que suportavam a antiga. As condições de utilização oferecidas também são substancialmente diferentes. O novo tabuleiro permite a circulação de trânsito pesado em ambos os sentidos, tem uma passagem de peões e, ao contrário da antiga, está iluminada. Melhorias que implicaram um acréscimo de 1390 milhões de euros (241 mil contos) ao preço final - que ficou nos 6,933 milhões de euros (1,3 milhões de contos) e que implicaram (apesar do tempo recorde) um atraso de cerca de dois meses na construção.

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