Vénus Hotentote volta à África do Sul

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Restos mortais de mulher de etnia khoi-khoi, cujas nádegas são enormes e os lábios vaginais muito pronunciados, foram devolvidos ao país de origem DR

"A triste história de Sara é a de uma mulher profundamente humilhada por uma sociedade que considerava os africanos como seres inferiores", comentou Jattie Bredekamp, director do Instituto de Investigações Históricas da Universidade do Cabo Ocidental, na África do Sul, citado pela agência Lusa.

A África do Sul ainda não decidiu o destino final a dar aos restos mortais de Sara Baartman. "Não queremos que o seu enterro se torne num circo como aconteceu com o Negro de Banyoles", acrescentou Bredekamp, referindo-se ao bosquímano dissecado e exibido até 1997 no Museu de História Natural de Darder, em Espanha, e devolvido ao Botswana em Setembro de 2000.

Sara Baartman nasceu em 1789, ano da Declaração dos Direitos do Homem, na antiga colónia holandesa do Cabo da Boa Esperança, que hoje faz parte da África do Sul. Como milhares de khoi-khoi, foi escrava dos fazendeiros da região.

Em 1810, era escrava na fazenda de um tal Peter Cezar, irmão de Henrok e William Dunlop (este era um médico inglês que visitou o Cabo), que viram nela uma boa oportunidade de fazer "dinheiro fácil", levando-a para a Europa para lucrar com o fascínio da época pelos chamados "casos assombrosos da natureza". Estavam em voga as exibições de "monstros" e de "selvagens" exóticos.

A particularidade de Sara, comum a muitas mulheres da sua etnia, eram umas nádegas e coxas extremamente desenvolvidas (esteatopigia) e lábios vaginais muito pronunciados. Eram características típicas de algumas mulheres da etnia de Sara, mas os europeus nunca tinham visto nada assim.

Sara foi convencida a viajar com a promessa de uma vida melhor, mas, ao chegar a Londres, aos 21 anos, descobriu que tinha de se exibir nua em museus, universidades, circos, bares e bordéis, como "uma besta selvagem", segundo uma descrição do jornal "London Times". A Sociedade Inglesa contra a Escravatura descreveu as exibições como "um triste espectáculo com laivos de prostituição".

Peter Cezar levou logo a jovem para Paris, onde as apresentações adoptaram um certo cariz científico, devido ao elevado número de catedráticos que iam observar a nativa khoi-khoi. Entre eles, estava o famoso médico e naturalista francês Georges Cuvier, um dos criadores da anatomia comparada e honrado pela corte de Napoleão Bonaparte como "o pai da paleontologia", mas cujas teorias contribuíram para o racismo científico do século XIX, que falava na "inferioridade da raça negra".

Cuvier descrever Sara como "parecida com um orangotango" e, em 1815, quando a jovem morreu aos 25 anos, reclamou o seu corpo em nome do "progresso do conhecimento humano". Sara acabou por ter de se prostituir em bordéis. Morreu na miséria.

O próprio Cuvier encarregou-se de fazer um molde em gesso do cadáver (que dissecou minuciosamente) e guardou o esqueleto e alguns tecidos - incluindo o cérebro e os órgãos genitais - em frascos com formol. A exposição foi depois montada no Museu Nacional de História Natural e depois no Museu do Homem, em Paris, onde o esqueleto permaneceu exposto ao público até 1974. O molde esteve lá à vista até 1976.

Depois do fim do "apartheid", em 1991, uma das primeiras reivindicações da etnia khoi-khoi a Nelson Mandela foi o regresso à África do Sul de Sara Baartman, símbolo da opressão. O presidente sul-africano falou do assunto, em 1994, com o então presidente francês, François Mitterrand. Depois de outras iniciativas diplomáticas, a França continuou a opor-se às reivindicações sul-africanas, usando o argumento da "inalienabilidade das colecções nacionais", conta um artigo na revista de divulgação científica "Sciences & Avenir". Mas, este ano, o Parlamento acabou por aprovar a devolução da Vénus hotentote. Dos frascos com formol, onde estão conservados alguns tecidos de Sara, é que não há rasto, noticia o jornal espanhol "El Mundo".

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