França mobilizada contra Jean-Marie Le Pen
Todas as idades, todas as categorias, estão agora representadas nos desfiles, mais organizados e estruturados, em contraste com as primeiras manifestações espontâneas de adolescentes.
As faculdades de França organizaram ontem encontros dos estudantes para coordenarem as acções de protesto com a academia de Paris, onde os liceus estão ainda de férias até domingo à noite. Durante estes encontros, os responsáveis pelos movimentos estudantis apelaram à calma e à vigilância, frisando que há ameaças crescentes de violência nas manifestações. É difícil estabelecer responsabilidades nos distúrbios que têm marcado o fim das manifestações em Paris.
Há na região parisiense uma "escumalha" - para utilizar o mesmo termo que os estudantes - bem conhecida, de uns 400 a 800 indivíduo ultra-violentos, completamente despolitizados e motivados pela perspectiva de pilhagens, que procuram fazer degenerar todas as manifestações públicas em que a participação jovem é grande. Mas há também testemunhas, em anos anteriores, de manipulações provocações da Frente Nacional (o partido de Le Pen) em desfiles públicos, para permitirem ao líder da extrema-direita apresentar-se como "vítima".
Outras manifestações nacionais de grande amplitude estão programadas para sábado e domingo, convocadas por dezenas de associações de defesa de direitos humanos, mas também por partidos políticos e organizações sindicais. Os organizadores anunciam um cortejo "maciço".
Sentindo um perigo para a democracia, os representantes da sociedade civil activam-se. Evocando a situação excepcional que os obriga a saírem da neutralidade, vozes do mundo comunitário, religioso, profissional, apelam explicitamente a votar no candidato da direita clássica, Jacques Chirac, ou por vezes só de forma implícita, com recurso a frases do tipo "impedir a eleição de Jean-Marie Le Pen".
A comunidade judaicaOs representantes da comunidade judaica - Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França, Consistório Central, União dos Estudantes Judeus de França - pronunciaram-se a favor de Jacques Chirac, o "único candidato republicano". A igreja católica, sempre tão reservada, indicou que "não pode estar de acordo" com as ideias defendidas pelo líder da Frente Nacional. Os protestantes foram mais claros, apelando a votar em Jacques Chirac. O organismo colectivo nacional Jovens Muçulmanos de França pede aos muçulmanos para votarem de forma a "rejeitarem aqueles que rejeitam os valores republicanos".
A Coordenação das Colectividades Portuguesas de França (CCPF), um colectivo de 180 associações de portugueses ou lusófonos, diz-se particularmente preocupada com a situação actual para os imigrados portugueses e franceses de origem portuguesa, e assegura a sua solidariedade para com as outras comunidades lusófonas imigradas em França. O CCPF apela a "uma forte mobilização na luta contra a peste lepenista, fascista e xenófoba de forma a barrar o caminho à intolerância".
O programa da Frente Nacional para a imigração, é claro: proibição da imigração, mesmo no âmbito de um casamento com um(a) estrangeiro(a), supressão das autorizações de residência de 10 anos, e substituição por cartas de residência de um ano, que não serão sempre renovadas, expulsão dos imigrantes desempregados, ab-rogação da nacionalidade francesa a quem a tem por ter nascido em França, reclusão em campos de internamento dos estrangeiros clandestinos.
Os artistas e intelectuaisOs artistas e intelectuais organizam este fim-de-semana um encontro na sala de concertos parisiense "Le Zenith". Todos se recordam da censura das autarquias dirigidas pela FN contra certos autores, da supressão de subvenções à cultura que não se enquadra com a ideologia lepenista, ou seja, que "não respeitam a identidade nacional". O programa da FN só aceita a opereta no capítulo da música lírica, e o "'rap' e a 'techno', que não são expressões musicais, serão privados de apoio público". O cantor de "rap" Akhenaton insurgia-se ontem: "Pessoal, há neste mundo pessoas que morrem a lutar pelo direito de voto. Então, vamos todos votar no domingo 5 de Maio".
Organismos representantes das diversas especialidades médicas começam a mobilizar-se em peso, derrogando assim à regra de não ingerência nas eleições. Os médicos frisam que o programa lepenista de privatização dos serviços de saúde "é inaceitável", tanto no plano moral como no plano prático, e constitui uma ameaça para a qualidade da saúde em França.
Os franceses que não vão poder votar pessoalmente no domingo 5 de Maio, formam longas filas de espera nas Câmaras Municipais, pelo país fora, para passarem uma procuração de voto.
O ecologista Daniel Cohn-Bendit, antigo líder estudantil do Maio de 68, os filósofos Bernard-Henri Lévy e André Glucksman, apelam também a votar em Chirac. Mas os estados-maiores dos partidos de esquerda estão preocupados: o apelo a votar no velho rival da direita "passa mal" junto dos militantes e dos simpatizantes. Todos pensam, porém, que conseguirão convencê-los nos dez dias que faltam até à segunda volta.