Oliveira, Cronenberg, Kiarostami ou Paul Thomas Anderson na colheita de Cannes

As agências noticiosas têm utilizado a imagem dos aromas vinícolas: diz-se que Cannes 2002, cuja programação oficial foi ontem anunciada em Paris, apresenta um "bouquet francês, com fortes aromas anglo-saxónicos e um perfume mediterrânico, numa cuba que casa a militância política, a exigência estética e o sabor espumante e ligeiro do glamour e das estrelas". Foi assim descrita, pela AFP, a 55ª edição do festival, que este ano se realiza de 15 a 26 de Maio. Efeitos de poesia à parte, especifique-se que o sabor será então um pouco português, concretamente do Douro, já que "O Princípio da Incerteza", de Manoel de Oliveira, é um dos 22 filmes em competição. Com este filme Oliveira reencontra a escrita de Agustina Bessa-Luís, adaptando o seu mais recente romance, "Jóia de Família", numa história que retrata de forma crua, segundo a sinopse veiculada pela produtora, a Madragoa Filmes, a sociedade portuguesa contemporânea através de um conjunto de personagens em que se cruzam amores e amizades, ódios e vinganças que só o fogo purificará. Nos principais papéis, estão Leonor Baldaque, Leonor Silveira, Isabel Ruth, Ricardo Trepa, Luís Miguel Cintra e, novo no universo do realizador, Ivo Canelas. Não será a única presença do produtor Paulo Branco no festival, já que na Quinzena dos Realizadores estará "Deux", que Werner Schroeter, com Isabelle Huppert, veio rodar em Portugal.Acrescente-se ainda que se os sabores serão variados na competição e se se podem sentir odores fortes (mais de metade de títulos europeus; cinema britânico com três filmes, o mesmo número dos americanos; parte de leão para a França, com quatro; aroma mediterrânico, com a presença de um palestiniana, Elia Suleiman, com "Intervention divine" - é um nome que Cannes já revelou em secções paralelas - e do israelita "Kedma" de Amos Gitaï), a verdade é que, como vem sendo habitual no festival, fica a sensação esmagadora de que estão todos a competir Cannes. Veja-se: "Punch-drunk love", de Paul Thomas Anderson (uma comédia com Adam Sandler), "Spider", de David Cronenberg, "Le fils" dos belgas Luc et Jean-Pierre Dardenne (os de "Rosetta"), "Unknown pleasures", do chinês Jia Zhang-ke ("Plataforma"), "L'Homme sans passé", do finlandês Aki Kaurismaki, "All or Nothing", de Mike Leigh, "Sweet Sixteen", de Ken Loach, "Ten", de Abbas Kiarostami ("o grande artista assina uma obra de renovação, como quando Picasso passou do período azul ao período rosa", diz Thierry Frémeaux, um dos seleccionadores), "The Pianist", de Roman Polanski, "Russian ark", do russo Alexandre Sokurov, ou "Bowling for Columbien", documentário de Michael Moore, que depois de direccionar o seu humor ácido para instituições como a General Motors e a Nike, debruça-se agora sobre o comércio de armas, tendo como pano de fundo o massacre num liceu do Columbine, no Colorado.Os seleccionadores prometem, para a abertura, fora de competição, o delírio retro de Woody Allen, em "Hollywood Ending" (o realizador americano diz que se perceberá com o filme porque é que decidiu ir a Cannes em vez de ir Veneza como habitual). Depois, o exotismo kitsch do musical indiano, "Devdas", e outra animação da Dreamworks, "Spirit", depois do brilharete de "Shrek", o ano passado.E para acabar com a espuma... subirão as escadas do Palácio dos Festivais estrelas como Sharon Stone, que integra o júri presidido por David Lynch, Leonardo Di Caprio, Cameron Diaz, Jack Nicholson, Ralph Fiennes, Charles Aznavour (intérprete de ("Ararat", de Atom Egoyan, que passa na secção Un Certain Regard), Matt Damon, Jeremy Irons (uma das estrelas do filme de encerramento, "And now... Ladies and gentlemen" de Claude Lelouch), Antonio Banderas e as "embaixatrizes" da L'Oréal, uma das patrocinadoras do festival, Catherine Deneuve, Gong Li, Andie McDowell, Charlize Theron.

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