Dez por cento dos portugueses têm graves incapacidades ligadas ao álcool

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Um nutricionista e dois psiquiatras analisam as consequências dos problemas ligados ao álcool Público

Mas em Portugal - um país com "elevada alcoolização geral da população" - nunca foi feita, sequer, uma avaliação desta problemática a nível nacional. Em síntese, este foi o quadro traçado pelo nutricionista da Direcção-Geral de Saúde (DGS) João Breda para justificar a premência da elaboração do manual "Álcool e Problemas Ligados ao Álcool em Portugal", que acaba de lançar em conjunto com dois especialistas em alcoologia, os psiquiatras Lucília Mercês de Mello e José Barrias. Com a chancela da DGS, a obra vai agora ser distribuída por milhares de médicos e enfermeiros de todo o país.

Os três especialistas propuseram-se fazer uma abordagem abrangente de um problema complexo que tem sido negligenciado entre nós. Recordando que cerca de 10 por cento da população portuguesa apresenta "graves incapacidades ligadas ao álcool", começam por sublinhar que, para além "deste grupo de doentes alcoólicos que constituem a parte visível do icebergue", cerca de 60 por cento dos adultos bebem regularmente álcool.

E é precisamente neste grupo que se encontram os bebedores excessivos, muitas vezes não identificados como tal. A "elevada alcoolização geral da população" portuguesa - explicam - resulta de um meio caracterizado por uma produção fértil e uma "desmesurada e cega oferta de bebidas alcoólicas", aliados aos "costumes, tradições e falsos conceitos" transmitidos ao longo de gerações.

As repercussões dos problemas ligados ao álcool fazem-se sentir intensamente em Portugal, quer através de "um número incalculável de mortos na estrada" e de doenças que levam a procurar tratamentos em hospitais gerais e hospitais psiquiátricos, quer ainda através de "baixas" no trabalho, de reformas precoces, de envelhecimento e de morte prematuros.

Estes problemas são mesmo tão "extensos, graves e variados" que já ninguém lhes nega hoje o epíteto de "um dos mais graves problemas de saúde pública", lembram, considerando que ultrapassam largamente o simples "modelo" médico-social do alcoolismo, estendendo-se à família dos bebedores e à comunidade em geral. O que justifica, no seu entender, a necessidade de se multiplicarem as estratégias da intervenção.

Apesar da dimensão deste "flagelo", notam, a avaliação dos reais efeitos dos problemas ligados ao álcool na população portuguesa tem sido feita por "apreciável defeito". Com um consumo anual superior a 10 litros de álcool puro por adulto (10,8 litros em 2000, de acordo com os últimos dados da World Drink Trends), Portugal continua a ser um dos principais consumidores de álcool a nível mundial e ocupa igualmente um dos primeiros lugares entre os países que apresentam mais elevadas taxas de mortalidade por cirrose hepática.

Os dados e os números referidos na obra são impressionantes: o consumo abusivo de álcool contribui para entre 8 a 10 por cento das mortes de indivíduos entre os 16 e os 74 anos; 6 a 20 por cento de todas as admissões agudas em hospitais estão relacionadas com álcool, que é um factor interveniente em mais de um terço dos acidentes de viação; é ainda factor importante nos acidentes domésticos, nos dos tempos livres e, fundamentalmente, nos acidentes laborais.

O álcool é também um elemento determinante em alguns crimes, nomeadamente homicídios; é um factor importante de ruptura familiar, de violência doméstica e de maus tratos sobre crianças; e é igualmente um elemento de redução de produtividade. Os autores estimam mesmo que o "fardo" económico do álcool se situe algures entre 2 a 6 por cento do Produto Nacional Bruto.

Mas o manual não se limita a elencar alguns aspectos epidemiológicos dos problemas ligados ao álcool e as suas repercussões individuais, familiares e sobre a comunidade. Dedica ainda alguns capítulos às bases fisiopatogénicas, aos aspectos clínicos e às formas de tratamento e de prevenção do alcoolismo.

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