Paolo Rossi,1956: Sete dias, seis golos, uma Taça do Mundo
O bandido que se transformou em herói. É esta a história de Paolo Rossi, o homem que deu à Itália o seu terceiro título mundial, porventura o mais saboroso. Rossi, o batoteiro que marcava ou falhava golos por encomenda no campeonato italiano, foi a Espanha, em 1982, limpar o nome, o cadastro, e assinar o livro de honra da história dos mundiais. Bastaram 270 minutos, com a mesma rapidez com que aparecia, felino, na área a finalizar, para se transformar no "Bambino d'oro" dos italianos.
A epopeia de Paolo Rossi é mais uma daquelas fábulas de que o mundo do futebol está cheio, em que o sapo se transforma em príncipe mal recebe o beijo da sorte. Anti-herói por temperamento, Rossi teve uma carreira com mais baixos do que altos. Talvez por isso, a Providência concedeu-lhe o direito de durante uma semana, uma curta mas eterna semana, ter chegado mais alto do que os outros.Foi no dia 5 de Julho de 1982 que Paolo Rossi trocou a depressão de dois anos de suspensão por golos, por muitos golos e daqueles que fazem rebentar o coração de alegria. A vítima foi o Brasil. E não era um Brasil qualquer, mas sim o de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Toninho Cerezo, Éder e de tantos outros artistas preparados pelo mestre Telé Santana para serem campeões mundiais, mas incapazes de contrariar a fome de Paolo Rossi.O jogo disputou-se na tarde de 5 de Julho no entretanto demolido Estádio do Sarriá, em Barcelona. Ao Brasil, que vinha de quatro vitórias, bastava um empate para garantir o apuramento, mas a equipa canarinha queria continuar a ganhar. Três golos de Paolo Rossi vergaram a selecção do futebol perfeito (pelo Brasil marcaram Sócrates e Falcão), na que ainda hoje continua a ser a segunda derrota mais difícil de suportar pelos adeptos brasileiros, depois da fatídica final com o Uruguai no Maracanã, em 1950.Em 90 minutos de futebol intenso - Rossi marcou um quarto golo, mal anulado pelo árbitro - o avançado que ninguém queria na selecção apurava a Itália para as meias-finais. Para trás ficavam quatro jogos em que Paolo Rossi tinha ficado em branco e em que a Itália marcara apenas três golos e ganhara um jogo. Enzo Bearzot, o mítico treinador da "squadra azzurra", era o único que acreditava que Paolo haveria de redescobrir o caminho da baliza, mas certamente nem ele julgaria que pudesse ser com tanto sucesso. Mais para trás ainda ficava um jogo treino no minhoto Estádio 1º de Maio, em que o Braga venceu a Itália por 2-1. Faltava uma semana para os italianos se estrearem em Vigo, Paolo Rossi jogou, mas a capa de superherói só a vestiria mais à frente.Nas meias-finais, a 8 de Julho, a Itália reencontrou a Polónia de Boniek e Lato, com quem tinha empatado a zero na primeira fase. Nas três semanas de intervalo pouco tinha mudado nas duas equipas, a não ser a metamorfose de Paolo Rossi, mais do que suficiente para a Itália vencer por 2-0, com golos do inevitável "Bambino d'oro". A Itália, a pobre Itália que tinha perdido com o Braga, que empatara os três primeiros jogos do mundial e apurara-se à custa de um pormenor do regulamento, estava na final e jogava então um futebol quase perfeito na defesa e mortífero no ataque.Do outro lado a Alemanha, que Rossi começou a destruir no início da segunda parte, apesar de Cabrini ter falhado um penalti ainda antes do intervalo. Sandro Bertini, o velhinho presidente de então da Itália, exultava nas bancadas e a Itália batia a Alemanha por 3-1 e sagrava-se tricampeã do mundo. Paolo Rossi marcara o seu sexto golo numa semana, tornara-se o melhor marcador da competição. E, bem vistas as coisas, a Taça que o capitão Zoff (o mais velho campeão do mundo, com mais de 40 anos) tinha um pouco mais de Rossi do que de qualquer outro.Os campeões foram recebidos em Itália como autênticos heróis e a lista de homenagens a Rossi não tinha limites. De entre todas, destaque para uma oferta vitalícia de calçado.Paolo Rossi nasceu em Santa Prato, na Toscânia, a 23 de Setembro de 1956. Franzino como convém nestas fábulas do futebol, Paolo Rossi teve uma carreira recheada de azares. Aos 17 anos foi dispensado pela Juventus em virtude das sucessivas lesões nos joelhos e que obrigaram a duas intervenções cirúrgicas que deixavam fortes dúvidas sobre a total reabilitação do jogador. A verdade é que Paolo Rossi reencontrou o caminho no Vicenza, onde se sagrou o melhor marcador da Série B italiana (II Divisão), com 21 golos. O Vicenza conseguiu a promoção e Rossi aproveitou para, no ano seguinte, ser o melhor marcador da Série A, com 24 golos, terminando o Vicenza num surpreendente segundo lugar, só atrás da Juventus. Estavamos na primavera de 1978 e Paolo Rossi integrou a selecção italiana para o Mundial da Argentina. E qual atleta de "sprint", Rossi marcou três golos nas Pampas, foi baptizado pelos adeptos argentinos como "Pablito" e ajudou a Itália a terminar num saboroso quarto lugar, tendo ficado famosa a dupla que formou com Bettega. No regresso à península itálica, o Vicenza que tinha tocado o céu voltou ao inferno e foi despromovido. Mesmo assim, Rossi apontou 15 golos e transferiu-se para o Perugia, onde os 13 golos marcados significaram o azar de se ver envolvido no escândalo das apostas.Paolo Rossi negou sempre ter viciado resultados, mas não se livrou de três anos de suspensão, mais tarde comutados em dois. A Juventus contratou-o por tuta e meia em pleno período de inibição e Rossi voltou aos relvados no dia 29 de Abril de 1982, mês e meio antes do início do Mundial de Espanha. Bearzot insistiu em convocá-lo, argumentando que precisava de um avançado veloz e mortífero. Paolo precisou de quatro jogos para se meter dentro do jogo e depois, qual inocente no cadafalso, ofereceu a Taça do Mundo à Itália inteira, aos que o insultaram e aos que acreditaram na inocência.Com o estatuto de campeão do mundo, Paolo manteve-se na Juventus, onde conquistou títulos e honrarias, mas com o brilho a pertencer sempre mais a outros, como Platini e Boniek. Em 1986, o estatuto ainda lhe permitiu atravessar o Atlântico, mas não efectuou uma só partida no Mundial do México. A Itália acabou eliminada cedo e Paolo Rossi deixou o futebol dois anos depois, sempre com épocas decepcionantes.Hoje é construtor civil e raramente vai a um estádio. O futebol, bem vistas as coisas, durou-lhe uma semana, mas convenhamos, foi das mais felizes da história.