Le Pen na segunda volta faz Jospin abandonar a carreira política
Ontem à noite, a França país entrou em estado de choque. A pátria dos direitos humanos escolheu Jean-Marie Le Pen, o velho líder xenófobo, racista, anti-europeu e populista do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), como finalista na segunda volta das presidenciais. Os eleitores deram-lhe de 17 a 17,9 por cento dos sufrágios, contra 19,8 a 20 por cento ao candidato da direita parlamentar e Chefe de Estado cessante, Jacques Chirac. Pela primeira vez, a esquerda não estará presente na ponta final das presidenciais. Lionel Jospin, candidato socialista e actual primeiro-ministro, ficou em terceiro lugar com 15, 6 a 16,2 por cento dos votos. A extrema-direita, que apresentava dois candidatos, ronda os 20 por cento dos sufrágios. A direita parlamentar totaliza uns 31 por cento, e a esquerda ronda os 27 por cento. A onda de choque para a esquerda é tremenda. Mesmo em Lille, praça-forte dos socialistas franceses, Le Pen chega à frente de todos os candidatos. Sereno, mas devastado, Jospin interveio quando já não havia esperanças de um golpe de teatro, qualificando o resultado de "terramoto" político: "Ver a extrema-direita representar 20 por cento dos votos neste país, face ao candidato da direita parlamentar, é extremamente preocupante. Assumo plenamente a parte que me incumbe neste fiasco, retirando-me da vida política no fim das eleições presidenciais. Assumo a chefia do governo até às legislativas [em Junho]". No final, Jospin apelou à esquerda a mobilizar-se para impedir a eleição de Le Pen.Nesta altura, era já claro que o Presidente cessante, Jacques Chirac, vai ser reeleito a 5 de Maio. "São os valores da República que estão agora em causa. Esta noite, a França precisa de vocês. Eu preciso de vocês, caros compatriotas", disse Chirac na televisão.Uma sondagem realizada por telefone pouco depois das 20 horas, dava 80 por cento das intenções de voto a Chirac, contra 20 por cento a Le Pen. Razão de sobra para que a campanha da segunda volta ameace ser de uma grande brutalidade. Não tendo nada a perder, a FN não hesitará em apostar numa estratégia de tensão e de provocações, para provocar um reflexo de medo a favor de Le Pen. Ontem à noite, os quadros da FN já tinham começado a invocar todos os escândalos de corrupção que colam a Jacques Chirac, e que não foram sequer mencionados na campanha para a primeira volta. O candidato, por seu lado, promete continuar no trilho consensual que escolheu na primeira volta: "Não tenham medo, caros compatriotas, de sonhar. Vocês, os pequenos, vocês, os pé-descalços, que suportaram a corrupção, vocês, que são as vítimas da insegurança (...) sabem que eu estou socialmente à esquerda, economicamente à direita, e que sou nacionalmente francês", disse Le Pen na televisão. Mas como a verdadeira natureza nunca anda longe, o candidato acrescentou, numa amostra do que espera a França nos próximos 15 dias: "O Presidente cessante e o primeiro-ministro candidato deveriam ter a decência de desaparecerem desta competição, dado que são ultraminoritários no país".Uma sondagem do instituto CSA, realizada à saída das urnas, dava indicações interessantes sobre este voto surpreendente em Jean-Marie Le Pen: 49 por cento dos eleitores sondados dizem que não votaram por um projecto, nem sequer por um candidato, mas antes em oposição aos outros candidatos. Descobre-se aqui um eleitorado de rejeição, contestatário, e que se sente esquecido pelos partidos parlamentares. Quando lhes perguntaram se escolheram o candidato por quem votaram para que ele seja eleito, 26 por cento dos eleitores de Le Pen responderam que sim, e a imensa maioria disse que era para que "a sua influência seja maior". Por fim, só 11 por cento dos seus eleitores acreditavam que o líder da extrema-direita estaria presente na segunda volta.O resultado de Le Pen só foi possível por causa de uma abstenção recorde de 28,5 por cento, contra 21, 6 por cento nas presidenciais de 1995, e graças uma presença, também recorde, de 16 candidatos à primeira volta. Ora, o alargamento da paleta eleitoral provocou maior perplexidade do que entusiasmo. O confronto de tantos projectos acabou por realçar os limites da capacidade de oferta da acção política, exempta de originalidade e de novidades. Depois, a organização da primeira volta em período de férias escolares, e um tempo radioso - o que é coisa rara, na metade norte da França - acabaram por dar maior amplitude à abstenção.Mas que o patrão de um pequeno partido nascido em 1972 sob os auspícios de uma ideologia meio saudosista do regime ditatorial de Vichy, na II guerra mundial, meio populista, e que vegetou na casa de 1 por cento até 1983, esteja agora na segunda volta das presidenciais, é qualquer coisa de extraordinário. Em 1974, Le Pen era candidato às presidenciais, e obtinha 0,80 por cento dos votos. Nas últimas duas eleições presidenciais Le Pen culminou a 15 por cento, hoje passa a barra dos 17 por cento, e se acrescentarmos os 2,3 por cento do modesto dissidente da Frente Nacional, Bruno Mégret, a extrema-direita totaliza quase 20 por cento.A capital francesa assistia ontem à noite a várias manifestações espontâneas anti-LePen. O candidato já convocou um desfile para 1 de Maio, na Praça da Ópera, em Paris.