Descoberta a maior supercolónia de formigas do mundo
As formigas da Argentina passeiam-se, insistentemente, pelas nossas casas. Já todos as vimos, num momento ou outro, pois é muito difícil vermo-nos livres delas: são aqueles seres castanho-claro minúsculos, até três milímetros de comprimento, que andam em carreirinhos por cima do lava-loiças. Nem sempre andaram por cá, porque esta espécie só chegou à Europa há cerca de cem anos. Mas hoje constituem a maior supercolónia de formigas conhecida no mundo: estende-se desde o Norte de Itália, passando pela costa Sul de França e por toda a costa mediterrânica de Espanha, até chegar a Portugal e, contornando todo o litoral português, atinge a Galiza. A descoberta desta supercolónia de formigas da Argentina - ou "Linepithema humile", como é o nome científico desta espécie - é relatada na última edição da revista norte-americana "Proceedings of the National Academy of Sciences". É a maior unidade cooperativa destes insectos sociais alguma vez notificada, diz a equipa de cientistas suíços, franceses e dinamarqueses.Ao longo deste gigantesco carreiro de seis mil quilómetros, as formigas da Argentina construíram milhões de formigueiros. Ser uma supercolónia significa que biliões e biliões de formigas, de diferentes formigueiros, podem misturar-se livremente, sem agressividade. A formiga da Argentina é originária da América do Sul, vivendo, além daquele país, no Chile, Brasil e noutros países ali à volta. Os navios levaram-na a dar a volta ao mundo, no final do século XIX, e agora até está na Austrália, por exemplo. "Em Portugal, tem mais de cem anos. Um estudo de 1955 diz que está cá desde 1890, mas não se sabe bem", conta ao PÚBLICO a engenheira do ambiente Evelyne Rodrigues, aluna de doutoramento na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. "Provavelmente, veio para Portugal de São Tomé em navios que transportavam especiarias e outros carregamentos, como bananas. Para lá, foi em navios que vinham da América do Sul", acrescenta. A equipa de Laurent Keller, da Universidade de Lausanne, na Suíça, andou a apanhar formigas, em Março e Abril de 2000, em várias populações ao longo das costas mediterrânica e atlântica (ver mapa). De cada população, os cientistas recolheram cinco mil formigas obreiras. Depois, meteram-nas em frascos, para lhes fazerem estudos de agressividade e genéticos. Nos territórios de expansão natural, a formiga da Argentina manifesta agressividade entre as várias colónias. Por exemplo, se se transportam obreiras de umas colónias para as outras, nem que seja a apenas umas centenas de metros de distância, elas são extremamente agressivas. Mordem-se, arrancam bocados do corpo. Matam-se, em suma, porque sabem que não pertencem à mesma colónia. "Em cada colónia, a rainha tem feromonas, ou um odor associado. Todas as obreiras têm essa marca identificadora, que é uma feromona que elas cheiram e nós não. Quando uma obreira identifica que outra obreira tem um cheiro que não é o da colónia de onde vem, normalmente é agressiva. É uma questão de competição", explica Evelyne Rodrigues.Porém, as formigas da Argentina são conhecidas por formarem grandes colónias porque a agressividade não acontece não acontece nos territórios invadidos. Porquê? "Não se sabe bem. Pode ser uma medida de sobrevivência", diz a investigadora.Assim, depois de um piquenique podemos levar nas toalhas e nos restos do farnel umas quantas formigas, que vão integrar-se noutra colónia. O resultado é a formação de supercolónias - e a ocorrência de problemas ambientais como os causados pela formiga da Argentina, diz Evelyne Rodrigues. "Poucas espécies de formigas coexistem em paz com a formiga da Argentina, porque elas são muito agressivas para as espécies nativas." Também estabelecem relações de simbiose com insectos que destroem os pomares, por exemplo, e de quem as formigas comem as secreções. "São consideradas uma praga. Em casa, é extremamente difícil livrarmo-nos delas e, no ambiente, fazem essas ligações simbióticas, que são um problema." De resto, se há coisa que as formigas da Argentina não são é esquisitas com os alimentos, o que lhes garante sempre comida disponível. Comem um pouco de tudo, desde restos da nossa comida até vegetação e sementes. Mas a equipa de Laurent Keller fez ainda outra revelação. Se até agora se pensava que não havia guerra entre as formigas da Argentina nos territórios invadidos, a descoberta de uma supercolónia mais pequena na Catalunha, Espanha, veio mostrar o contrário. As formigas da supercolónia gigantesca, a tal que se estende de Itália à Galiza, passando por Portugal, e as da supercolónia da Catalunha ferem-se de morte. Nos testes de agressividade - um frente a frente entre formigas, para ver o que acontecia -, a reacção foi muito forte entre as formigas das duas supercolónias: 98 por cento das obreiras mataram-se. Ao invés, os actos de agressão nunca ocorriam entre as formigas da mesma supercolónia, pois, no máximo, tocavam com as antenas umas nas outras, em sinal de estarem a fazer o reconhecimento de qualquer coisa. Para os investigadores, esse comportamento distinto entre as duas supercolónias terá uma base genética, que se manifesta nas feromonas. "Quando uma formiga encontra outra, tem de decidir se esse indivíduo pertence ou não à sua colónia. As pistas de reconhecimento são odores na superfície da formiga, que têm uma base genética", disse à BBC Online Jurgen Heinze, especialista em formigas da Universidade de Erlangen, na Alemanha. "A variação genética leva a uma variação nessas pistas. Se existe uma perda de variação genética, as formigas cheiram todas ao mesmo e, por isso, já não conseguem distinguir as formigas estranhas das do seu formigueiro", rematou Heinze.