Militares da Venezuela derrubam o Presidente Hugo Chávez
O Presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi ontem deposto por pressão da rua e dos militares, que entregaram o poder interinamente a um dos líderes da onda grevista dos últimos dias: o patrão dos patrões do país, Pedro Carmona. Detido em Forte Tiuna, o principal quartel de Caracas, cidade que amanheceu deserta, com apenas alguns soldados a patrulharem as ruas, o fundador da "República Bolivariana da Venezuela" não sobreviveu a dezassete meses de protestos, três dias de greve geral e uma manifestação que acabou com 11 mortos e 95 feridos - o estertor do regime. Quinta-feira à tarde, irritada com a resistência de Chávez a repor os gestores despedidos da petrolífera nacional Petróleos da Venezuela (PDVSA), a promotora da paralisação em curso no país desde terça-feira, a Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV) prometeu uma luta sem tréguas, na rua, contra o regime, e apelou à população a alinhar com uma manifestação convocada pela Federação de Câmaras da Venezuela (Fedecâmaras), de Carmona, disposta a marchar sobre o Palácio de Miraflores. Ao mesmo tempo, no que chegou a ser visto como a derrota final da revolta, o inspector-geral das Forças Armadas Nacionais, general, Lucas Rincon, foi à televisão, rodeado pelos chefes das três armas, Exército, Marinha e Força Aérea, e ainda da Guarda Nacional, para prometer a fidelidade dos militares às instituições democráticas. Mas vários militares, um a um, foram anunciando o seu apoio à revolta da rua, acabando os militares, depois de uma noite e uma madrugada de hesitações, e aparentemente também de algumas conspirações, por entregar o poder à rebelião dirigida pela CTV e a Fedecâmaras, a que pertence o agora chefe do Executivo do país. "Nós, membros do Estado-Maior militar, deploramos os lamentáveis acontecimentos ocorridos ontem [quinta-feira] na capital. Face a tais factos, pedimos ao Presidente da República para se demitir, o que ele aceitou", declarou Lucas Rincon, o mesmo general que antes anunciara o alinhamento com o Presidente. A essa hora, já Hugo Chávez, o ex-tenente-coronel golpista do 4-F, o refundador da "República Bolivariana da Venezuela", tinha entrado no forte, acompanhado por alguns familiares, e sido recebido pelo presidente da Conferência Episcopal, Baltazar Porras, após o que foi detido. "Agora sim, ele caiu. Enfim", comentou, satisfeito, um coronel a colegas presentes no quartel, logo que o Presidente desistiu do poder. Francisco Arias Cardenas, um dos ex-companheiros de Chávez durante a intentona de há dez anos, tinha passado entretanto pela unidade militar, um dos primeiros a fazê-lo. Disse um cortante "olá" e entrou numa sala para se reunir com alguns militares, testemunhou a correspondente da AFP em Caracas, Paula Bustamante, que lá estava com outros jornalistas e o viu entrar. Entre os vários rumores e especulações que circulavam entre pequenos grupos militares no local, dizia-se que Cardenas lá tinha ido para se reunir com o genro, o general de divisão Romel Fuenmayor, cujo nome tinha sido entretanto avançado para uma eventual junta militar. Pelo meio, a jornalista teve ainda ecos de que a queda de Chávez era adivinhada há alguns dias dentro de um círculo restrito de militares. "Sentíamos que isto vinha aí. Nós, há três dias que tínhamos decidido separar-nos do Governo", declarou o general de brigada da Guarda Nacional, Óscar José Marquez. "Há três dias que tínhamos contactos com a CTV e a Fedecâmaras", as organizadoras da greve geral, disse outro alto oficial, este sob a condição de anonimato. A Guarda Nacional foi realmente a primeira das armas venezuelanas a demarcarem-se do Governo na quinta-feira à tarde, depois de membros dos "círculos bolivarianos", a milícia que Chávez criou como uma espécie de guarda avançada da revolução, terem tentado travar a manifestação. E levado à tragédia que se seguiu. Hugo Chávez "vai continuar detido em Forte Tiuna" declarou ontem à tarde o comandante do Exército, general Afrain Vasquez. "Ele pensava que podia fazer o que quisesse connosco, mas enganou-se. Era uma ilusão. Há muito tempo que nós, a maioria dos militares, já não estávamos com a forma como ele pensava", explicou um coronel de nome Rodríguez. Pedro Carmona, o chefe interino do Governo venezuelano, inaugurou entretanto o cargo com duas das decisões mais esperadas: a recondução dos gestores da PDVSA despedidos por Chávez e a promessa de eleições presidenciais dentro de um ano. Cuba anunciou ontem à noite que rejeita o "golpe de Estado" e continua a considerar Chávez o Presidente do país.