Jornalismo, um poder da sociedade civil
A comunicação social passou de contrapoder a quarto poder e, por vezes, é mesmo vista como primeiro poder? À pergunta feita pelo Centro de Reflexão Cristã responderam ontem jornalistas e políticos que "não". "Não" no sentido de um poder de Estado. Um poder forte, ou contrapoder, mas da sociedade civil. Um poder que, no debate realizado ontem na Faculdade de Letras da Universidade Lisboa, ficou claro viver um momento complicado e precisar de se auto-regulamentar ou de ser regulamentado para não se degradar mais.Curioso, em cerca de quatro horas de debate dividido por dois painéis, foi verificar que os jornalistas têm uma pior ideia do momento que vive a comunicação social e do seu papel que os políticos.Freitas do Amaral e Óscar Mascarenhas, presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, foram directamente chamados a responder à já referida pergunta. Antes Jorge Wemans, director da agência Lusa e moderador do debate, começou por alertar que é preciso diferenciar jornalismo de "media" e que o primeiro é uma gota de água no oceano que é o segundo. "O jornalismo é seguramente um poder, mas não é um poder igual ao dos 'media'. E cada vez temos menos jornalismo nos nossos 'media'", afirmou.E no que respeita a poderes, Wemans não tem dúvidas em afirmar que "o poder que é dado aos jornalistas é sempre superior ao que os jornalistas pensam ter".Freitas do Amaral recusou de imediato o facto de a comunicação social poder ser considerado um poder de Estado no sentido clássico. Um poder "sim", mas da sociedade civil, "que não roubou poderes ao Estado", mas que é hoje "o mais forte dos poderes" da sociedade. "Mais forte que os sindicatos, que o poder religioso ou económico." Por isso, acrescenta, "sendo um poder de controlo dos poderes de decisão" e para que não siga o caminho do "lixo televisivo" tem "de se auto-regulamentar". "Se não o conseguir fazer, terá de ser uma instância como o parlamento a fazê-lo", afirmou Freitas do Amaral.Óscar Mascarenhas disse que quarto poder é a opinião pública, mas preferiu levar a discussão para outros poderes: o poder das empresas de comunicação social e o poder dos jornalistas.Lembrando que no passado eram os jornalistas que nomeavam os directores e que hoje são os patrões que o fazem, afirmou que hoje há "um jornalismo dos jornalistas e um jornalismo dos patrões".Mais à frente, na altura do debate com os presentes na sala, foi ainda mais longe. Depois de considerar que "o pólo de decisão dos jornalistas foi transferido para o empresário", o jornalista do "Diário de Notícias" garantiu "que quem toma as decisões nas escolhas das agendas [dos assuntos a cobrir ou a não cobrir pelos diversos órgãos de comunicação social] é da confiança do empresário". Ou seja, Óscar Mascarenhas deixou claro que, na sua opinião, as escolhas das agendas em alguns órgãos de comunicação social são feitas pelas direcções dos mesmos, de acordo com os interesses dos patrões das empresas.Antes deste painel, um outro, formado por Vital Moreira, Helena Roseta e a jornalista Clara Ferreira Alves, debateu o facto de os governos darem cada vez mais preferência às políticas de curto prazo, secundarizando o médio e o longo prazo. Mais uma vez o jornalismo, e em especial o televisivo, foi apontado como uma das muitas causas para esse facto. Mais uma vez a mais dura nas críticas veio da representante da classe.Clara Ferreira Alves acha que o jornalismo, mesmo o dos jornais de referência, foi "sugado pelo túnel de vento das televisões" e que hoje "o jornalismo é um kleenex de usar e deitar fora". Os colunistas dos jornais, são, segundo esta jornalista, "profetas do segundo seguinte", dando razão à máxima de que o jornal "serve para embrulhar peixe" logo após sair para as ruas e que o jornalismo "mesmo nos jornais de referência tabloidizou-se". Para ela, "o jornalismo de investigação acabou" e deu mesmo como exemplo o que se passa no "Expresso" que "já não faz este tipo de jornalismo", acrescentando que hoje os jornais se fazem acompanhar "por uma quantidade de tralha" que "é para deitar fora". Já os jornalistas tornaram-se, ainda de acordo com Clara Ferreira Alves, "umas celebridades" que se acham "tão importantes como os políticos no destino no mundo" e são gente "confusa que não sabe onde está a sua deontologia". A intervenção de Clara Ferreira Alves foi das mais aplaudidas no debate de quatro horas.