Como o CDS se transformou em PP e voltou a ser CDS
"O CDS é o partido que desce. O PP é o partido que sobe", dizia um monteirista depois as últimas eleições autárquicas, uma altura em que Manuel Monteiro acreditava que podia recuperar a liderança do partido para, como ele próprio tinha dito numa entrevista ao "Expresso", "refundar o PP". Expressava assim, esse monteirista, a sua leitura de que o CDS-PP - que outros dizem ser uma síntese - é uma coligação, pois uma parte do partido não se revê nas características essenciais que o CDS tem hoje.Em 1992, Manuel Monteiro tinha tomado em mãos um partido desmoralizado com quatro por cento. O PP foi uma tentativa de sobrevivência que, estrategicamente, tomou o PSD como inimigo principal doutrinariamente, e doutrinariamente, adoptou uma posição anti-sistémica, tanto em relação à Europa como na política interna, tornando-se assumidamente um partido marginal.Alguns actuais dirigentes do CDS-PP apontam-lhe ainda uma lógica de exclusão interna, que até desculpam de certa forma, considerando que tudo isso se deveu ao sentido de sobrevivência que se vivia no partido. No congresso de Coimbra, começam os sinais da ruptura que seria assumida em Braga, em Março de 1998. Pelo meio foram sendo cometidos erros de percurso, mais uma vez justificados pelo instinto de sobrevivência. As presidências de 1996 - em que o partido não tomou uma posição de apoio a Cavaco Silva - terá sido o erro mais terrível e que acabou por perseguir Monteiro. Mas Cavaco ainda era o homem que, com as suas maiorias absolutas, ia acabando com o CDS.A dado momento do seu percurso como PP, o partido corria o risco de se marginalizar ao ponto de ser apenas e só um partido de oposição, ma havia quem defendesse que um partido não pode viver toda a vida na oposição porque, então, deixa de fazer sentido. O PP, defendiam, precisava não de uma cura de oposição, mas de uma cura de poder. E se havia alguém no partido com um projecto de poder esse alguém era Luís Nobre Guedes, que leva ao congresso de Braga uma moção, que basicamente defendia a normalização das relações com o PSD e a opção pela democracia-cristão, que passa também por uma opção pelos pobres, expressão que, na altura, encontrou resistências e causou surpresas. Era o início do regresso ao CDS. "O partido não voltou a ser CDS. É CDS-PP e isso é que está certo. Aquilo que está proposto no congresso de Braga é a reunião de toda a história e toda a doutrina do partido", afirmou ao PÚBLICO José Ribeiro e Castro, hoje dirigente do partido, mas que esteve afastado na fase PP. Uma fase que este eurodeputado considera ter sido de "recuperação da fase do táxi" (anos das maiorias absolutas em que o CDS tinha apenas quatro deputados). "O partido quis partir de uma linha de refundação e isso é negativo", continua Ribeiro e Castro, para quem "no PP há também algo de fundador no gesto contra Maastricht", não sendo um gesto contra a União Europeia, mas como um alerta necessário.A "fase PP" foi para Ribeiro e Castro uma "fase de partido mais de protesto". A fase CDS-PP é menos nacionalismo, com mais preocupações sociais, mais democrata-cristã. "Há um regresso do CDS que, em certa fase se quis negar, sem agora esquecer o PP", continua Ribeiro e Castro, concluindo que "o CDS-PP deve manter essa designação" porque é uma síntese. Síntese é também a palavra usada por Maria José Nogueira Pinto para designar a actual fase do partido, acrescentando que a última campanha eleitoral é a primeira tentativa de fazer essa síntese, num partido que que, acredita, "foi sempre em cada momento várias coisas" e convive com isso. "Quando o CDS passa a PP é um tempo em que isso faz sentido. Há um momento mais popular, de uma direita mais populista. Não se falava ainda tanto em democracia-cristã. Mas quando o partido entra numa fase mais populista não deixa de ser tudo o resto", analisa Nogueira Pinto, actual presidente do conselho nacional do partido para o qual entrou em 1995 e cuja liderança disputou com Paulo Portas no congresso de Braga. O problema do populismo é que tem o risco de se esgotar depressa. "Não houve capacidade de fazer uma adaptação aos anos seguintes. Aí aparece uma ala mais conservadora e democrata-cristã", continua Nogueira Pinto, ressalvando contudo que como católica não é favor que nenhum partido se arrogue de ter o exclusivo dos valores cristãos.A ex-líder da bancada parlamentar vê também nas evoluções do partido uma certa linha pragmática, de adaptação às circunstâncias: "Um discurso conservador e democrata-cristão não fazia sentido nenhum em 1995 e um discurso populista não fazia sentido em 2002." Mas insiste: "Tudo isto está na génese do partido."Nem tudo, poderia dizer Basílio Horta, um dos fundadores do CDS, que vê hoje no CDS-PP um valor acrescido. "O CDS-PP de hoje é um corte com uma parte do PP anti-europeia, extremista e radical. Aproveita um tom populista e uma preocupação social acrescida que o CDS inicial não demonstrava. O resto são os valores do CDS", resume Basílio, que chegou a sair do partido nos tempos de PP, que considera terem sido mesmo de "extrema-direita populista". "O PP foi uma tentativa de Manuel Monteiro pegar num partido e transformá-lo noutro. Quis fazer uma mudança total. Não teve a coragem de mudar o símbolo e a sigla porque não teve tempo", continua este fundador do CDS, que voltou ao partido com Paulo Portas, com quem, diz, houve "um regresso aos valores tradicionais do partido, embora com uma linguagem diferente".Portas é, assim, o rosto do regresso ao CDS. Contudo, tinha sido a sombra na formação do PP. Uma ambiguidade que Ribeiro a Castro tenta explicar: "Ele foi um dos impulsionadores do PP, mas depois como candidato por Aveiro aprendeu o que eram verdadeiramente as bases CDS." Seja essa a explicação, seja o pragmatismo a explicá-lo, o que é facto é que foi Portas quem consumou a estratégia de Braga de fazer o partido regressar ao "arco da governabilidade". Um estratégia reafirmada na moção que levou ao congresso de Janeiro passado e que encontrou uma janela de oportunidade no dia 17 de Março.