A história de José, um dos últimos amoladores
"É assim, tudo acaba um dia..."desabafa José Loureiro, 22 anos de amolador, puxando o boné para trás, o suficiente para coçar a testa. "A malta nova não quer saber de aprender esta profissão". Descobrimos José amolando uma faca num esmoril aplicado à traseira de uma velha Famel-Zundapp. O som da gaita do amolador entrara-nos pela casa dentro como uma sedução. Era o eco de outros tempos. Depois de uma pequena perseguição, acabámos por o encontrar em frente a um pequeno restaurante de Santo António da Caparica, a comentar: "Isto está fraco". José Martins Magalhães Loureiro, 37 anos, casado e pai de três filhas, pertence a uma família de amoladores radicada no Monte da Caparica. "O meu pai era amolador e funileiro, os meus primos também e dois irmãos meus eram amoladores também. Agora sou só eu e o meu irmão Manuel Loureiro. O outro desistiu", explica, junto à motorizada, que o transporta de rua a rua. "Há dez anos que trabalho na motorizada. Uma pessoa desloca-se de um sítio para o outro mais depressa". José começou a amolar facas, tesouras e a arranjar varetas de guarda-chuva aos 14 anos. "O meu pai andava a pé, empurrando uma roda de madeira, como os galegos. Eu ia muito com o meu pai. Depois comecei a trabalhar sozinho mas já de bicicleta". O pai de José era amolador e funileiro. "Naquele tempo, amolava-se mas também se soldava, tapavam-se buracos das panelas e isso é que era um funileiro". Hoje em dia, já praticamente ninguém pede para arranjar uma panela. "Antigamente, as pessoas eram pobres e não podiam comprar outra panela. Agora, mandam a velha para o lixo e vão ao supermercado comprar outra". José ainda foi funileiro. Aprendeu com o pai a espetar a "palanca" atrás da bicicleta e a "arrebitar "as panelas. "A palanca é uma estaca de ferro que se espetava no chão e em cima da qual colocávamos a panela. Arrebitar significa tapar o buraco da panela com um rebite, soldando o rebite à panela", explica. José Loureiro ainda se lembra dos encontros, no tempo do pai, entre amoladores-funileiros, que tocavam com o martelo na "palanca": "Ui, cada um fazia uma música diferente e tinha vaidade nela".Hoje, já não se usa a "palanca" e também já nenhum amolador "gateia um prato": "Gatear um prato era colocar uma arame nos pratos das pessoas para depois os poderem pendurar na parede". As gaitas, essas, verdadeiro símbolo e imagem de marca da profissão, são cada vez mais difíceis de arranjar. "Estas gaitas vinham da Galiza. Agora, nem sei onde arranjá-las e bem que precisava de arranjar uma ou duas. Só sei que lá em Espanha ainda há".Para lá da gaita, dos " encabeços" (varetas largas para os chapéus de guarda-chuva), para levar a cabo a sua profissão de amolador, José precisa ainda da "montagem", a aparelhagem onde está instalado o "esmoril", a peça em que as facas são amoladas e que vem na parte de trás da motorizada. Numa pequena mala de ferramentas, José traz ainda alicate e martelo.Os clientes, esses, são cada vez menos. "Antigamente", conta José Loureiro enquanto passa a faca no esmoril, "havia mais costureiras, casas de confecções, fregueses certos em vários sítios, agora não". Para sobreviver, José Loureiro largou a bicicleta, aderiu à mota e quando pode, mete a mota dentro de uma carrinha e vai para o norte ou para o Alentejo. "Para ganhar algum, a pessoa tem de ir para muitos lados. Vou de carrinha e depois chegando lá, percorro as terras na motorizada. Durmo na carrinha. Às vezes, chego a estar por lá um mês". O norte é melhor que o Alentejo. "Lá para os lados de Aveiro, Viseu, as pessoas procuram-me mais. O Alentejo está em baixo, é mais pobre que o norte". Os preços são módicos: cerca de dois euros e meio para amolar uma faca e uns três euros para arranjar a vareta de um guarda-chuva.No concelho de Almada, José conhece mais três amoladores mas tem consciência de que pertence a uma espécie em extinção. "Já somos muito poucos. Em certos sítios, as senhoras vêem à porta das casas, admiradas e comentam: "Há anos que não via um amolador!"