Incêndio num comboio mata 373 pessoas no Egipto
O balanço definitivo só foi divulgado ontem a meio da tarde, e saldou-se no mais mortífero da história ferroviária do Egipto. 373 pessoas morreram depois de um incêndio ter alastrado por sete das 16 carruagens de um comboio que viajava do Cairo para Assuão, no sul do país, durante a madrugada de ontem. Muitas das vítimas eram crianças que viajavam com as suas famílias na véspera da Adha, a maior festa muçulmana que marca o fim da peregrinação a Meca.Por causa da festa o comboio ia a rebentar pelas costuras. "Estávamos todos em cima uns dos outros, no chão, sentados e em pé", explicou Sami Soheir Hanna, um relojeiro de 36 anos que ontem entrou para a categoria de sobrevivente. Foi ele, na cama de um hospital, que recordou o inferno das chamas: "Quando o comboio deixou Al Ayatt [70 km do Cairo], a electricidade foi cortada e começámos a sentir um forte cheiro a plástico queimado. As pessoas começaram a gritar que era um incêndio e eu reparei que as ervas estavam a arder lá fora ao lado do comboio que continuou em andamento. O calor ia aumentando dentro da carruagem e eu pensei que ia morrer"."Estávamos numa espécie de fosso escuro cheio de fumo, o nosso pânico ia aumentando porque o comboio continuava a avançar. As pessoas começaram a correr em todas as direcções e a bater nos vidros para os partir, mas depois não conseguiam passar pelas janelas por causa de umas barras de ferro de protecção", contou Sami Hana.A maioria das vítimas morreu carbonizada no interior do comboio, mas também houve quem morresse a tentar escapar à morte. "Eu vi mulheres a arder, protegendo os seus filhos bebés nos braços, a lançarem-se pelas janelas das portas do comboio", disse Sami Hanna, explicando que este tinha continuado a andar ao longo de oito quilómetros após o início do incêndio.Vários sobreviventes, incluindo um estudante de 18 anos, Amer Mhoamed El Chadli, explicaram à AFP que o condutor do comboio só se apercebeu da tragédia quando foi avisado pelo condutor de um outro comboio que viajava no sentido inverso. "Só depois de se ter cruzado com esse comboio é que o nosso começou a abrandar, e a travar para parar". Foi neste momento que o condutor recebeu ordem para separar rapidamente as carruagens em chamas das restantes, seguindo caminho com estas para bem longe do incêndio. Para trás deixou aquilo que foi descrito por um dos responsáveis das equipas de socorro como "uma jaula que se tinha transformado numa prisão em chamas""Os passageiros, com os corpos a arder, empurravam-se numa confusão total, tentando sair das carruagens", contou o assistente do condutor que ficou no local do sinistro para tentar dominar o incêndio. "Foi essa confusão total que fez o número de vítimas mortais subir, já que muitas pessoas morreram esmagadas por outras em fuga". Sobre as causas do incêndio as autoridades egípcias apontam para um acidente provocado entre os próprios passageiros, mas estes negaram esta teoria e especularam sobre a possibilidade de um curto-circuito ter provocado as primeiras chamas. Enquanto o primeiro-ministro egípcio Atef Ebeid, que se deslocou ao local da tragédia, disse que o fogo terá sido provocado pelos viajantes que aquecem as suas refeições durante as viagens, mas muitos sobreviventes garantem que não viram ninguém a aquecer comida, até porque o comboio ia tão cheio que não era possível fazer tal operação. Dificilmente as autoridades egípcias vão escapar às críticas enraivecidas de quem considera que esta tragédia poderia ter sido evitada se o comboio não fosse completamente superlotado - mais de 300 passageiros em carruagens com lotação para 150. "Os caminhos de ferro deviam ter proposto comboios suplementares" por causa da grande festa da Adha, acusou Amir Emil, que sobreviveu depois de ter saltado, com o comboio ainda em andamento, pela janela da porta de uma das carruagens.O bilhete do comboio normal custa cerca de 1,25 euros para ir do Cairo a Assuão "e nós não podemos pagar os cerca de 5 euros para viajar no comboio dos privilegiados", disse Emil, referindo-se a um comboio que tinha partido da capital egípcia um pouco antes - ia mais vazio, como o seu ar condicionado e as camas que só os turistas costumam comprar.