Os anos passam mas as variações em torno do filme da dupla de polícias não cessam. "Dia de Treino" é mais uma, como sempre explorando as diferenças (de carácter, de currículo, de "background", de raça) entre o par de protagonistas. Aqui o duo é formado por Denzel Washington e Ethan Hawke. Hawke é um jovem polícia de Los Angeles que acabou de pedir transferência da divisão de trânsito para a de combate ao tráfico de estupefacientes. É colocado na viatura de Washington, um veterano dos "narcotics", para um "dia de treino" que é um misto de estágio e de exame de admissão. O confronto entre a veterania e "ratice" da personagem de Washington e a "virgindade" e idealismo da de Hawke constitui o alimento do núcleo narrativo do filme, pelo menos nos seus momentos iniciais.
O filme começa, portanto, dando indicações de poder ser uma espécie de episódio da "Balada de Hill Street" desviado para a costa Oeste.
Washington, que conhece os submundos em que se movimenta como a palma da mão, conduz o seu jovem parceiro pelas ruas dos bairros degradados de Los Angeles, mostra-lhe sítios, apresenta-o a pessoas, ensina-lhe métodos razoavelmente heterodoxos - e fá-lo mesmo submeter-se a um ritual de iniciação, quando o obriga a fumar a droga que momentos antes apreenderam a um grupo de adolescentes, com o pretexto de que um polícia dos narcóticos deve saber com o que está a lidar, e mais, "must love narcotics".
Mas Fuqua filma isto de maneira consideravelmente desenxabida (campos/contracampos de Washington e Hawke no carro), e nem sequer tem muita habilidade para integrar as personagens na "rua", sendo muito raras as vezes em que se sente a cidade. Isto era, já que se falou dela, o essencial da "Balada de Hill Street", onde em qualquer episódio havia mais cinema do que em "Dia de Treino".
À medida que o filme avança, contudo, vai-se percebendo que o seu verdadeiro centro reside mais na ambiguidade da personagem de Denzel Washington - será ele, que está sempre a falar de lobos e cordeiros, um lobo em pele de cordeiro? Será ele um "bom" polícia de personalidade sui generis e métodos heterodoxos, ou apenas um polícia corrupto? Denzel Washington bem se esforça para incorporar esta ambiguidade, num registo extrovertido recheado de expressões enigmáticas, mas o filme nunca se interessa muito por o compreender. Seguindo a lógica binária da divisão do mundo entre "bons" e "maus", que continua a fazer escola na América, três quartos da duração de "Dia de Treino" servem fundamentalmente para perceber de que lado está a personagem - o quarto restante, dissipadas as dúvidas, é para resolver a intriga segundo os procedimentos mais banais do filme de acção. Esboroa-se assim algo que se adivinha ser uma das preocupações do argumento: o misto de fascínio/repulsa que a personagem de Washington gera na de Hawke. Percebe-se que esse conflito existe, mas mais porque tem de existir do que por o filme no-lo mostrar. Ao falhar essa componente psicológica que parece essencial à sua raiz dramática, "Dia de Treino" fica condenado a ser um objecto anódino, que passa ao lado dos seus elementos potencialmente mais estimulantes.