Era uma vez... um contador de histórias
Era uma vez um estudante da Escola Superior de Teatro de Lisboa que, um dia, entre outros biscates que fazia como "free-lancer" em diversas companhias de teatro - uma delas O Século -, organizou uma oficina de expressão dramática para meninos de risco residentes no Casal Ventoso, naquela cidade.O que fazia com eles? Contava-lhes histórias. Histórias da carochinha, da velha e o cabaço, da menina e o figo, do lobo e a raposa... Histórias antigas que o narrador repescou no imaginário popular português. Quando o viam chegar ao bairro degradado, os mais pequeninos, de oito, nove anos, rodeavam-no como formigas. Pediam sempre o mesmo: que lhes contasse uma história. A seguir vieram os mais velhinhos. E, em pouco tempo, todos se transformaram em seus fiéis ouvintes. Para surpreender este público, o contador foi vasculhando as poucas recolhas de contos populares feitas em Portugal. Passeou pelas obras de Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso e Leite de Vasconcelos, e conheceu algumas das inúmeras versões de cada conto popular.Decorria o ano de 1991 e, de repente, os meninos estavam tão viciados nas suas histórias, tão dependentes dos poucos momentos que viviam com ele, que o contador pensou para com os seus botões: "Afinal o que é isto? Os resultados com estes meninos são tão bons que eu poderia ir mais longe e transformar isto numa actividade". O contador descobriu, então, que o acto de contar histórias, que remonta às sociedades mais primitivas, nunca caiu em desuso: sejam crianças, jovens, adultos ou velhos, toda a gente se delicia a ouvir uma boa história. E aquilo que começou um pouco ao acaso e como uma brincadeira, de repente, transformou-se em algo sério. E, para sua surpresa, o contador descobriu também que, no estrangeiro, esta era já uma profissão levada muito a sério. Ao ponto de haver até um movimento internacional de contadores de histórias. Começou, então, a dedicar-se a esta área, a fazer projectos e, em 1994, passou a cobrar dinheiro para contar histórias. Quem é, afinal, esta misteriosa personagem? Dá pelo nome de António Fontinha e é talvez o exemplo único de um contador de histórias que em Portugal se profissionalizou nesta área. Em Trás-os-Montes, no Minho ou no Alentejo, são muitos os pequenos e graúdos que o conhecem. Escolas, autarquias e associações culturais e recreativas de todo o país não param de solicitar os seus serviços. Alto, magro e de nariz pontiagudo, comunicativo e muito expressivo, o narrador de histórias que baseia o seu reportório nos contos tradicionais portugueses, não pára de viajar pelo país. "Descobri que o acto de contar histórias é mais sério do que pensava e que é uma coisa importante para as gerações futuras. É um espaço de encontro entre diferentes gerações e diferentes culturas", anota o contador. Fontinha é um precursor nesta área e, um pouco graças ao seu trabalho, em Portugal, a procura destes profissionais tem crescido nos últimos anos. Este contador diz que se recusa a vender histórias como "salsichas" - "tenho que viver disto, mas tenho que ser sério, tentar fazer investigação e ver qual o sentido e a importância do acto de contar histórias para as sociedades modernas", explica -, e confessa que os profissionais nunca serão os melhores contadores de histórias. "Se pensarmos numa pirâmide ao nível da narrativa oral, no topo nunca estarão os profissionais, mas os amadores, porque os verdadeiros contadores de histórias são aqueles que não têm que contar histórias para ganhar dinheiro, mas por amor à narrativa", sublinha. Os grandes contadores de histórias são, por exemplo, os educadores de infância. Mas são também os mais idosos, que foram, noutros tempos, no tempo em que não havia televisão, os grandes animadores de serões populares. É com estes que Fontinha gosta de aprender. Como aconteceu recentemente na pequena vila transmontana de Alijó, onde, em homenagem ao saber e à cultura popular, lhe pediram para fazer uma recolha de contos populares.Durante horas e horas, dias e dias, António Fontinha ouviu idosos de nove aldeias do concelho duriense. No final, seleccionou as 147 melhores histórias e reuniu tudo no primeiro registo áudio de contos populares do país, agora depositado na biblioteca daquele município transmontano.Na sua permanente viagem por diferentes localidades do nosso país, António Fontinha vai, nos próximos dias - de 19 a 21 de Fevereiro, e de 26 deste mês a 2 de Março, em sessões às 11h00 e 15h00 -, participar no Ciclo Sophia, que está a decorrer no Teatro Nacional S. João, no Porto. Vai dar voz e expressão às inúmeras e fantásticas histórias que a autora de "O Rei da Dinamarca" dedicou às crianças.