Será que a Lua influencia os humanos?
Em noites de lua cheia, Teresa, funcionária pública, fica "cheia de energia", sente uma "maior vontade de sair de casa" e não consegue dormir. Pode suceder noutras noites mas "nessa altura é pior". Ana, empresária, não sabe se é o luar que a afecta mas nota uma "diferença psicológica": "Fico mais bem disposta e sinto-me melhor" nessas noites, diz. Manuel, reformado, acha que o cabelo não se deve cortar na lua cheia, só em quarto minguante, porque senão "volta a crescer mais depressa".Surge uma noite de lua cheia - como a primeira deste ano que ocorre amanhã às 22 horas e 50 minutos - e é certo que a sua influência é assumida por muitos. O resultado são perturbações físicas, psicológicas e mesmo sociais, alicerçadas em mitos urbanos e estudos científicos divulgados regularmente.Os últimos foram apresentados no final do ano passado e visaram o efeito da Lua no comportamento bolsista. Um estudou o efeito nas bolsas de 48 países entre 1965 e Julho de 2001. Kathy Yuan, Lu Zheng e Qiaoqiao Zhu, da Universidade do Michigan, afirmam ter encontrado uma "forte evidência global de que os ganhos bolsistas foram inferiores nos dias perto da lua cheia" do que nas semanas de lua nova. Os ganhos foram 8,3 por cento inferiores em semanas de lua cheia relativamente às de lua nova.Também na Universidade do Michigan, Ilia Dichev e Troy Janes divulgaram em Setembro um trabalho sobre um século de valores bolsistas nos Estados Unidos e 30 anos em 24 outros países. Segundo o documento, os ganhos diários estão também relacionados com a lua nova, particularmente fora dos Estados Unidos. "Tomado no seu todo", dizem, "esta comprovação é consistente com as crenças populares de que os ciclos lunares afectam o comportamento humano".A afirmação é obviamente polémica e apenas vem juntar as ciências económicas a um debate que se arrasta há décadas noutras áreas científicas.As fases lunares são culpadas de influenciar os dados da fertilidade, do crime, dos desastres, dos casos de epilepsia, sonambulismo ou suicídio e até mesmo no aumento de acessos à Internet. No entanto, os resultados de diferentes estudos não são concludentes.Na década de 70, trabalhos referiram o número "desproporcionado" de crimes durante a lua cheia ou um aumento no número de chamadas telefónicas para números de emergência. Na análise a mais de 58 mil detenções concretizadas durante sete anos, não foi encontrada nenhuma diferença relativa a qualquer fase da lua.Em 1983, dos mais de 360 mil telefonemas efectuados durante 3 anos para a polícia, não foi observada qualquer relação com as fases da lua, tal como sucedeu noutros trabalhos sobre casos de "overdose" ou acidentes de tráfego.Em 1991, da análise a 4190 mortes por suicídio, verificou-se que a sua ocorrência não variava com as fases lunares, tal como um outro estudo sobre suicídios ao longo de 18 anos e uma outra re-avaliação a 20 trabalhos anteriores sobre suicídios conseguidos e ameaças. Nesse ano, os 4256 nascimentos numa clínica francesa estavam "igualmente distribuídos" pelo ciclo lunar, tal como sucedeu em Maputo com 5226 nascimentos durante 37 ciclos lunares. Nada foi detectado nem quando a análise foi alargada aos dois dias anteriores e posteriores à fase lunar. Três anos depois, não se identificou novamente qualquer relação em 7842 nascimentos espontâneos na Clínica de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Florença.Um novo estudo sobre esta matéria deve ver a luz até final do ano. Uma equipa do Centro Regional de Saúde do Funchal iniciou em Dezembro o trabalho de validação sobre os momentos de concepção e nascimento e as fases da Lua entre 1996 e 1999, incluindo também outras variáveis meteorológicas para controlo.Relativamente a um possível aumento nas chamadas telefónicas para a polícia ou centros de emergência, uma análise divulgada em 1992 sobre 12 estudos anteriores concluiu não ser possível relacionar a frequência desses telefonemas com ciclos lunares.Em 1998, num estudo sobre 1289 casos agressivos com doentes psiquiátricos na Austrália, "não foi encontrada qualquer relação significativa entre violência total ou nível de violência e agressão e qualquer fase da lua", segundo os autores.Em 2000, um estudo notou algum crescimento no número de consultas médicas durante a lua cheia e, em Dezembro desse ano, investigadores da operadora telefónica British Telecom detectaram que mais lares telefonavam ou se ligavam à Internet na semana que antecedia cada lua cheia.O mais curioso é que, embora as estatísticas não fundamentem os pressupostos, as pessoas ligadas aos serviços investigados têm uma intuição diferente dos estudos negativos. Um trabalho de 1996 para analisar o efeito lunar nas admissões hospitalares e chamadas para serviços de emergência durante 15 meses na cidade de St. Joseph (Missouri) revelou que "como esperado, a hipótese lunar não teve sustentação". No entanto, o responsável do estudo, Larry Reno, do Missouri Western State College, alertou para uns resultados inesperados. Dos questionários a polícias, pessoal dos serviços de urgência hospitalar e um grupo de controlo formado por estudantes universitários de psicologia, todos se inclinavam para a crença no efeito lunar.Duas décadas antes, em 1973, esta crença atingia os 74 por cento no caso das enfermeiras de hospitais psiquiátricos. Em 1987, no serviço de emergência doutros hospitais era de 80 por cento e de 64 por cento no caso dos médicos. Outro estudo de 1995 deu resultados semelhantes.Larry Reno afirmava no seu trabalho que "a impressionante quantidade de estudos feitos sobre a hipótese lunar não suporta a relação entre a lua e o comportamento humano" mas "a crença no efeito lunar está viva e recomenda-se". Porquê?Em 1985, quando James Rotton, da Universidade Internacional da Florida, e Ivan Kelly, da Universidade de Saskatchewan, re-analisaram 37 estudos anteriores, detectaram uma incidência ínfima, sem valor estatístico, na relação lua-comportamento humano. Muitos dos estudos tinham problemas metodológicos que, quando corrigidos, faziam desaparecer a relação anteriormente apregoada. Por exemplo, Carolyn Sherin e Arnold Lieber, autor de "How the Moon Affects You" (1996), publicaram um estudo em 1972 sobre homicídios em Miami entre 1956 e 1970 onde aparentemente se demonstrava que as mortes aumentavam perto da lua cheia. Mas, refere Rotton, a "demonstração" estava suportada apenas em três dos 48 estudos por eles efectuados, um facto não revelado.No total, Rotton, Kelly e Roger Culver, da Universidade Estatal do Colorado, analisaram mais de 100 estudos sobre o comportamento humano em qualquer fase lunar em áreas diversas como a violência doméstica, prémios em casinos, agressões entre jogadores ou casos de vampirismo para tentar concluir uma correlação fiável.Segundo eles, na base desta polémica estão os efeitos mediáticos (a presença intimidatória da lua cheia em livros ou filmes), ideias erradas derivadas do efeito da Lua nas marés ou na menstruação e consequente efeito no ser humano em geral ou um efeito de "memória selectiva", re-alimentada em termos sociais. Por exemplo, se algo ocorre em noites de lua cheia, tenderá a estabelecer-se uma ligação efectiva, enquanto que se o mesmo suceder noutras noites, será negligenciável por parte dos observadores que não lhes dão importância.Outra razão plausível apontada por Charles Raison, psiquiatra na Universidade da Califórnia, considera este "fóssil cultural" originário dos tempos em que o luar providenciava a iluminação nocturna natural, quando as pessoas faziam nessas noites o que era mais difícil noutras.Ao deitarem-se mais tarde, os ritmos diários eram obviamente influenciados, generalizando a teoria de que a lua tinha mesmo alguma influência no comportamento humano. Hoje, a única certeza é que há lua cheia. Quanto à sua influência, cada um acredita no que quiser.