Os prisioneiros de guerra segundo a Convenção de Genebra
A fotografia recentemente divulgada de vários prisioneiros afegãos atados e ajoelhados, com os olhos, ouvidos e boca tapados, na base norte-americana de Guantanamo, em Cuba, provocou polémica. Que tipo de prisioneiros são? Comuns, levados para lá no âmbito da guerra que os Estados Unidos declararam contra o terrorismo e a ONU legitimou, ou de guerra, por resultarem de acções em teatro de guerra clássica e assim abrangidos pela Convenção de Genebra sobre o Tratamento devido a Prisioneiros de Guerra, de 12 de Agosto de 1949? Algumas perguntas e as respostas possíveis. P - Os detidos em Guantanamo são prisioneiros de guerra ou não?R - A Administração norte-americana acha que não. O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, chamou-lhes há dias "terroristas 'hard core'". Mas para a organização de direitos humanos Human Rights Watch, sedeada nos EUA, são prisioneiros de guerra, na definição da Convenção de Genebra sobre o Tratamento devido a Prisioneiros de Guerra, de 12 de Agosto de 1949. Era a discussão ontem nos Estados Unidos. P - O que são prisioneiros de guerra?R - De acordo com o Artigo 4 daquela convenção, prisioneiros de guerra são membros das forças armadas ou membros de milícias, ou voluntários, de uma parte em conflito, que caiam em poder da outra; ou que, pertencendo a uma das partes, sejam encontrados pela outra na posse de armas, definição que bem poderia abranger os detidos, um grupo algo heterogéneo de prisioneiros taliban e da Al-Qaeda, a organização de Osama bin Laden. P - Qual a entidade competente para classificar um prisioneiro como de guerra?R - O Artigo 5 do diploma remete a classificação para "um tribunal competente". É o que pensa também a Amnistia Internacional. "Não é prerrogativa do secretário de Estado norte-americano nem de nenhuma outra autoridades dos Estados Unidos determinar se os reclusos de Guantanamo são prisioneiros de guerra, decisão que deve ser tomada por um tribunal norte-americano independente, depois do devido processo", declarou a organização de direitos humanos. P - Quando é que vamos conhecer o estatuto dos prisioneiros?R - O ex-procurador-geral dos Estados Unidos, Ramsey Clark, apelou ontem mesmo à Administração Bush para formular uma acusação ou considerar os detidos (158) como prisioneiros de guerra. Donald Rumsfeld classifica os encarcerados apenas como "detidos em campo de batalha".P - Que importância tem a sua definição?R - A definição do estatuto dos presos de Guantanamo esclareceria a sua situação e as leis aplicáveis. Como meros "terroristas 'hard core'", ficariam sujeitos à panóplia de leis e de tribunais de excepção contra o terrorismo aprovadas ou em preparação nos EUA ou outros países. Sendo prisioneiros de guerra, beneficiariam automaticamente do disposto naquela convenção em matéria de direitos e garantias de todo o género. Por exemplo, o Artigo 14 protege um prisioneiro de guerra contra arbitrariedades das autoridades do campo de internamento que ponham em perigo a sua saúde ou a sua vida. Ou contra quaisquer actos de violência ou de intimidação, insultos ou curiosidade pública, e ainda contra represálias. Enfim, os detidos têm direito, em todas as circunstâncias, ao respeito pela sua pessoa e a sua honra. P - Como é que devem ser alojados, alimentados e vestidos? R - A convenção manda que as condições de alojamento dos prisioneiros de guerra sejam "tão favoráveis como as das tropas da potência que os detém acantonadas na mesma região", nomeadamente no que respeita ao espaço, ao volume mínimo de ar e material de dormir. Os dormitórios deverão ainda estar protegidos contra a humidade, estar bem calafetados e ter boa iluminação. P - E podem contactar com o exterior?R - Podem. Regem a questão o Artigo 69 e seguintes. A autoridade do campo consentirá que, no prazo máximo de uma semana após a captura, os que quiserem escrevam directamente aos familiares informando-os da sua prisão, direcção e estado de saúde. Podem também receber cartas. Mas em qualquer dos casos poderá haver censura. P - O que é que a Convenção de Genebra prevê que aconteça aos prisioneiros logo que termine o conflito?R - Prevê que sejam libertados e repatriados sem demora. Mas o problema aqui é que a guerra que os Estados Unidos declararam contra o terrorismo não tem data para terminar. Pelo que os prisioneiros, se forem de guerra, poderão ter de aguardar por uma data indeterminada para a sua libertação.