Iate «Lucky Me» senta Vale e Azevedo no banco dos réus
Com base nos indícios recolhidos pela Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da PJ, o Ministério Público (MP) sustenta que o ex-presidente do Benfica se terá apropriado daquela e de outras verbas do clube para liquidar a última prestação de um luxuoso iate, "Lucky Me", além de outras despesas com a manutenção da embarcação, no montante de 1,3 milhões de euros (263.368 contos ). A primeira audiência irá ajudar a perceber qual será a postura que Vale e Azevedo adoptará durante o primeiro de uma série de processos em que irá ser chamado a prestar contas à justiça por factos ocorridos no mandato terminado em 31 de Outubro de 2000. Em 16 de Fevereiro de 2001 é detido pela DCICCEF, permanece em prisão domiciliária até 7 de Agosto e passou os últimos cinco meses em prisão preventiva. Será defendido por José António Barreiros e, com a sua acutilância verbal, dificilmente optará pelo silêncio e deve tentar justificar a sua actual situação com uma alegada perseguição. "Só desde que cheguei a presidente do Benfica passei a ter processos contra mim", escreveu JVA numa carta aberta aos benfiquistas, em 27 de Setembro de 2001.
Os principais factos deste julgamento ocorreram na segunda quinzena de Julho de 1998. Começaram com a venda do passe de Ovchinnikov e terminaram com a transferência de 1,16 milhões de euros (1,048 milhões de dólares) de um banco do paraíso fiscal de Gibraltar para uma instituição financeira italiana, destinada a liquidar a última prestação do iate vendido por um armador de Viareggio. Pelo meio, JVA é acusado de ter pedido a Paulo Barbosa que endossasse ao portador dois cheques (um de 600 mil e outro de 400 mil dólares) que foram depositados na conta de uma firma da família Vale e Azevedo, Sojifa Investments, Ltd, no "off-shore" da Madeira, posteriormente transferidos para outra empresa sedeada nas Ilhas Virgens Britânicas, a JF International Yatch, LD, com conta aberta numa instituição bancária de Gibraltar. O "Lucky Me" terá sido adquirido por esta firma.
O julgamento vai ter muitas questões a esclarecer. O que motivou o depósito dos dois cheques emitidos por Paulo Barbosa, em nome de uma sua empresa "off-shore", Florina Services, LD, para a conta da Sojifa Investments, no BCP da zona franca do Funchal, alguns dias depois de deixarem de estar congeladas as contas do Benfica, situação em que se mantiveram desde 24 de Abril até 13 de Julho de 1998? E qual a razão por que não foram os dois cheques contabilizados na escrita do Benfica? E quem lançou em 29 de Junho de 1999 uma receita superior a 2,6 milhões de euros (2,5 milhões de dólares), referente à transferência do internacional russo? Uma receita virtual, registe-se, que acabaria por influenciar o resultado das contas de gerência do primeiro ano do mandato de JVA.
O colectivo presidido pela juíza Anabela Marques irá decidir em função da prova documental dos autos, bem como dos testemunhos dos investigadores, peritos e de antigos dirigentes do Benfica. A polémica adivinha-se, não só pelo melindre da questão, como da complexidade que rodeia o funcionamento das empresas sedeadas em paraísos fiscais, a respectiva titularidade e quem as pode representar e agir em seu nome ou do alheio.