Vale e Azevedo usou quatro empresas pessoais para desviar dinheiro do Benfica
João Vale e Azevedo depositou numa conta gerida por si e pela sua mulher o cheque de cinco milhões de euros (um milhão de contos) endossado pela Euroárea ao Benfica para sinal e princípio de pagamento dos terrenos da Urbanização-Sul do Estádio da Luz. Segundo a análise pericial das entidades envolvidas na investigação, logo nos dias seguintes ao depósito, foram sacados vários cheques no montante de 1,6 milhões de euros (335 mil contos), verba transferida para algumas das empresas e para despesas particulares de João Vale e Azevedo.São estes alguns dos factos que suportam a acusação subscrita pelo Ministério Público e entregue anteontem à tarde ao ex-presidente dos "encarnados", preso preventivamente na zona prisional da PJ. Durante as investigações realizadas pela Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF), os peritos conseguiram traçar o caminho do dinheiro. Um itinerário definido com recurso a buscas, quebra de sigilo bancário, perícias e diligências realizadas na Holanda e no paraíso fiscal da ilha de Guernsey, no Reino Unido. A análise dos documentos apreendidos permitiu detectar indícios de três situações de branqueamento de capitais, consumadas através da tentativa de dissimulação da origem do dinheiro. Foi o caso de um cheque de 748 mil euros (150 mil contos) endossado a uma das firmas de Vale e Azevedo, Sojifa Investimentos Imobiliários, Lda, que terá sido escriturado como um suprimento da Sojifa Finance, empresa sediada no paraíso fiscal do Luxemburgo. Outro pagamento de 261 mil euros (52.500 contos) feito à Lexconsulta, também ligada à família Vale e Azevedo, foi contabilizado como sendo originário de um cliente de Vale e Azevedo. Através da mesma conta foram sacados quase 300 mil euros (60 mil contos) que surgiram na escrita da sociedade de advogados de Vale e Azevedo como destinados a pagar uma dívida de um cliente.Os peritos apuraram ainda que Vale e Azevedo pagou despesas pessoais de quase 30 mil contos através da conta onde depositou os cinco milhões de euros. A conta suportou ainda a liquidação um cheque para amortização do empréstimo de José Capristano (mais de 240 mil contos) e liquidou despesas relativas ao Benfica num valor rondando os 250 mil contos.Para sustentar o depósito dos cinco milhões de euros de um dos cheques entregues pela Euroárea ao Benfica no dia da assinatura do contrato da venda dos terrenos, Vale e Azevedo terá alterado o clausulado do mesmo, através do empolamento dos custos dos terrenos do futuro Centro de Estágio do Seixal. A contrapartida da imobiliária para a aquisição da urbanização-sul, recorde-se, incluía a quinta do Seixal, um cheque de cinco milhões de euros e outro de 7,4 milhões de euros.Assinado o contrato em 18 de Novembro de 1999, nesse mesmo dia terá sido alterado o respectivo clausulado, de forma a dar suporte ao alegado desvio do milhão de contos. O acordo escrito alterado foi depositado na contabilidade do Benfica. Nesse documento foi atribuído um valor de cinco milhões de euros para os terrenos do Seixal, de forma a tornar credível o depósito de somente um dos dois cheques endossados pela imobiliária ao clube e depositados na respectiva conta (ver esquema ao lado). Os investigadores terão ainda apurado que, dos 12,5 milhões de euros registados nos dois cheques da Euroárea, o de cinco milhões foi depositado numa conta do escritório do ex-presidente do Benfica e usada em benefício próprio e das suas empresas. Perante esta situação, o Ministério Público acusou Vale e Azevedo de peculato, de três crimes de branqueamento de capitais e de outras tantas falsificações de documentos. O libelo do Ministério Público acusa o ex-director financeiro do Benfica, António Leitão, de falsificação de documento e de ofensa a entidade colectiva [a Euroárea]. O terceiro arguido deste inquérito, José Capristano Santos, ex-vice-presidente do clube da Luz, não será alvo de procedimento criminal, apesar de, juntamente com Vale e Azevedo, ter assinado o cheque da Euroárea que foi parar à conta que a Vale e Azevedo & Associados tinha no Banco Barclays. O Ministério Público entendeu que Capristano agiu desconhecendo o destino do dinheiro supostamente desviado do clube, apesar de quase 1,25 milhões de euros lhe terem sido entregues por Vale e Azevedo, para amortização de um empréstimo de três milhões de euros que tinha feito ao ex-homem-forte do Benfica.