Escudo perto do adeus definitivo
O escudo é a quarta unidade monetária da história portuguesa e também aquela que menos tempo circulou: irá deixar de andar nas carteiras a partir de 1 de Março. No total, foram pouco mais de 90 anos de existência, um período de tempo insignificante face aos quase cinco séculos alcançados pelo seu antecessor: o real, nascido em 1435 no reinado de D. João I. Ainda hoje o escudo não se entranhou bem no vocabulário de alguns portugueses. Quem nunca ouviu alguém dizer que algo custa 100 mil reis em vez de 100 escudos?Nascido no início da República, por decreto datado de 22 de maio de 1911, o escudo assumiu o valor de mil reis, sendo cada unidade dividida em cem partes: os centavos. Quando foi substituído, o real encontrava-se muito desvalorizado face às principais divisas estrangeiras. O elevado número de algarismos em que se traduzia era motivo de confusão quando comparado com as outras moedas - a seguir ao cifrão, por exemplo, contava com nada menos do que três zeros.No entanto, o período de transição de uma para outra divisa foi muito diferente do que se irá passar com o euro. Em vez dos dois meses de dupla circulação que se irão agora seguir em Portugal, a transição efectiva do real para o escudo demorou muitos anos. No final dos anos 20 circulavam ainda notas de reais no Continente, enquanto nos Açores isso sucedeu até 1931. O próprio Banco de Portugal continuou durante algum tempo a emitir em simultâneo notas de reais e de escudos: como o desenho e a chapa já estavam feitos, bastava colocar um carimbo sobre o símbolo da monarquia.De acordo com estudiosos da história da moeda portuguesa, se não fosse a passagem à moeda única europeia, o escudo teria de ser em breve substituído por uma nova unidade monetária devido ao seu progressivo enfraquecimento. Já se assistiu, por exemplo, ao desaparecimento do tostão e mesmo as moedas de um escudo - cada vez mais pequenas, por sinal - só continuaram a ser fabricadas porque equivalem à unidade monetária. Foram quatro os períodos de inflação da divisa portuguesa, que contribuíram para a sua desvalorização. A primeira fase teve início com a I Guerra Mundial e termina seis anos após o seu final: em 1924, o valor do escudo era de menos 25 vezes face ao seu valor inicial, devido aos avultados investimentos públicos em armamento e ao consequente défice das contas do Estado. Até 1940, o escudo atravessa um período de estabilidade e aprecia-se cerca de 20 vezes face à principal divisa da altura, o esterlino.Os preços voltam a crescer acentuadamente com a II Guerra Mundial, perdendo o escudo metade do seu valor durante os cinco anos do conflito. As exportações portuguesas de volfrâmio foram a principal causa desta desvalorização, uma vez que provocaram um excedente nas contas externas.Até ao final dos anos 60 a moeda portuguesa atravessa uma nova fase de estabilidade, mas o início dos conflitos nas colónias resulta no aumento das despesas com o esforço de guerra. Mas são os novos excedentes das contas externas, devido ao elevado montante das remessas dos emigrantes, que vai permitir ao Governo recorrer a empréstimos do exterior e exercer desta forma pressão sobre a divisa.O quarto e último período de desvalorização ocorre com o 25 de Abril devido ao conjunto de despesas assumidas na altura pelo Estado: é a tentativa de introduzir um Estado-providência e a subida dos salários dos funcionários públicos eleva o nível da procura de bens face à oferta disponível e faz aumentar os preços. O valor do escudo começa a estabilizar com a entrada da divisa no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu (1991) e com a adesão ao euro, a 1 de Janeiro de 1999. Nessa data, quando deixou de ser uma divisa e passou a representar apenas uma designação da moeda europeia, a moeda portuguesa valia cerca de 20 vezes menos do que em 1974.