Congresso dos EUA torpedeia criação de Tribunal Penal Internacional
O Senado norte-americano aprovou este mês, por uma folgada maioria (78-21), uma proposta do senador republicano ultraconservador Jesse Helms que bloqueia a cooperação entre os Estados Unidos e um futuro Tribunal Penal Internacional (TPI). A proposta inclui a ameaça de sanções contra países que não se comprometam a isentar soldados americanos de serem enviados para julgamento no TPI.O TPI será uma instituição permanente, baseada em Haia (Holanda), nos moldes dos tribunais criados para julgar os criminosos nazis da II Guerra Mundial ou dos tribunais "ad hoc" para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda. A sua criação está dependente da ratificação do tratado da sua constituição pelo Parlamento de 60 países. Até agora, 47 já ratificaram; na quinta-feira, o Parlamento português aprovou a ratificação, o que significa que, quando o Presidente Jorge Sampaio promulgar a ratificação, Portugal fará parte do grupo de 60 fundadores do TPI.Num dos seus últimos actos legislativos, o ex-presidente Bill Clinton assinou o tratado do TPI; contudo, o seu sucessor, George W. Bush, sempre disse que não iria aprovar a sua ratificação.Mesmo assim, o senador Jesse Helms, uma das figuras mais à direita no Congresso americano, incluiu na lei de Protecção dos Membros das Forças Armadas dos EUA disposições especificamente destinadas a torpedear qualquer participação americana no TPI. Segundo Helms, sob o TPI os soldados americanos "estariam a combater burocratas e procuradores internacionais em vez de terroristas".Uma das provisões que mais celeuma levantou na proposta de Helms foi a que dá ao Presidente americano poder para usar "todos os meios necessários e apropriados" para libertar um cidadão americano detido em Haia - o que permite imaginar um cenário hipotético em que os EUA lançariam uma operação de "Rambos" em território de um dos seus aliados da NATO. Para os "lobbies" americanos a favor da criação do TPI, a passagem da Lei Helms (que ainda está pendente da aprovação pela câmara baixa do Congresso americano) será um passo atrás. Richard Dicker, director do programa de justiça internacional da ONG Human Rights Watch (HRW), disse contudo ao PÚBLICO que a criação do TPI "é um processo imparável", embora admita que o bloqueio dos EUA "terá consequências negativas para o tribunal"."É possível que este acto analfabeto do Congresso possa esfriar a determinação de alguns países. Mas estou confiante que não irá deter a criação do TPI", diz Dicker. "O Governo americano irá manter uma postura hostil perante este tribunal durante um curto período de tempo; quando o TPI estiver estabelecido, os americanos irão aperceber-se de que há uma convergência entre os seus interesses e os do tribunal. A campanha de Helms está a ter sucesso agora na sua propaganda e desinformação apenas porque o TPI ainda não existe."Dicker justifica a hostilidade dos congressistas americanos em relação ao TPI por uma "ideologia de excepcionalismo americano, que leva os EUA a ser muito receosos de instituições internacionais". No entanto, o responsável da HRW explica que algumas das disposições da proposta de Helms são pura e simplesmente impraticáveis.Por exemplo, o Tajiquistão (que já ratificou o tratado que cria o TPI) é hoje um aliado fulcral dos EUA, tendo em conta a sua vizinhança com o Afeganistão. Iria Washington arriscar cortar os laços militares com o Tajiquistão se o país recusasse dar imunidade aos soldados americanos de serem julgados no TPI?As propostas de Helms são, de resto, mais ideológicas do que efectivas. Afinal, pergunta-se Dicker, "qual é a probabilidade de um americano ser preso pelo TPI?". "É inconcebível que um soldado americano fosse responsável por crimes de guerra enquanto parte de um plano organizado de genocídio. O Exército dos EUA comete erros, e em certos casos viola as leis da guerra. Mas acredito que o sistema jurídico dos EUA seria responsável e investigaria e julgaria tais actos. E o TPI apenas estará envolvido em casos onde os tribunais nacionais não funcionem - onde não existem [como na Somália], ou onde não são independentes e imparciais [como no Iraque ou na Jugoslávia]."