O povo contra as sondagens

Se o PS, o PCP, o PP e o Bloco de Esquerda foram vencidos, sem lugar para sofismas, nas eleições autárquicas, as sondagens de opinião (ou, pelo menos, certos inquéritos de empresas especializadas) encontram-se entre os principais derrotados. Estive a reler, com renovado espanto, a primeira página do "Expresso", com a data de 14 de Dezembro de 2001, antevéspera das eleições (provavelmente antedatado, com vista a contornar a legislação em vigor). A "manchete" era sensata e acertou no alvo: "PSD deve ganhar maioria"). Ao alto, acima do cabeçalho, os resultados de sondagens, atribuídas à Euroexpansão, em que avultava a de Lisboa, com a atribuição de 41 por cento das intenções de voto a João Soares e 31 por cento a Santana Lopes.A primeira página, aliás, bem concebida no plano gráfico, constava de um mapa de Portugal, onde o jornal registava diversas previsões que falharam rotundamente. No Porto, por exemplo, Fernando Gomes era dado como vencedor antecipado: "De regresso ao Porto, Gomes vai averbar uma vitória folgada. Ainda não é desta que o PSD recupera a capital do Norte". Em Sintra: "Apesar de ter passado por um susto, Edite mantém Sintra; mas pode perder a maioria absoluta". Em Évora: "...o enigma durou até ao fim mas Abílio resistiu". Em Faro: "Coelho começou a campanha folgado, perdeu terreno, mas ainda vai vencer". Os tempo verbais utilizados são sintomáticos e categóricos. Apresentam as previsões (quase) como factos consumados.Li com especial surpresa as previsões de Lisboa. Noutros casos não me considerava suficientemente informado para me abalizar a prognósticos, mas, no que se refere à capital, as informações que possuía eram bastante preocupantes para os apoiantes da coligação Amar Lisboa e os muito (empíricos) inquéritos de rua a que procedi pela cidade, em táxis, cafés e paragens de metropolitano, movido apenas pela curiosidade, não auguravam nada de bom para o meu amigo João Soares. A diferença de dez pontos na primeira página do "Expresso" parecia-me uma coisa do outro mundo. Interrogava-me sobre os seus possíveis efeitos. Beneficiaria a esquerda? Desmobilizaria a "onda laranja" que se pressentia em Lisboa? Deixaria mais à vontade o (potencial) eleitorado do Bloco de Esquerda para votar Miguel Portas? Não era fácil prever. Mas a primeira página do "Expresso" deixou-me muito intrigado, mesmo sem quaisquer elementos que me permitissem questionar a idoneidade da sondagem, cujo trabalho de campo foi efectuado, segundo a ficha técnica (página 4), entre 8 e 12 de Dezembro. Muito menos ousaria duvidar da seriedade do jornal. O editorial do director, José António Saraiva, constituía, aliás, uma previsão à "contre-coeur" da vitória de João Soares, subscrita por quem elogiava, em simultâneo a campanha do PSD na capital: "(...) Santana Lopes, pela primeira vez, transmitiu a impressão de que cresceu, amadureceu e pode finalmente ter uma carreira política nacional."O "Expresso" é aqui citado apenas a título exemplificativo (e não como "bode expiatório" do conjunto da comunicação social): muitos (se não quase todos) jornais, rádios e televisões embarcaram em previsões erróneas com base em sondagens que se reivindicam de metodologias científicas. Talvez todas esses inquéritos tenham sido efectuadas com a necessária competência e idoneidade, embora certas discrepâncias nos levem, por vezes, a suspeitar (Deus me perdoe...) se não estaremos, nalguns casos, perante ciência infusa. ou mesmo infusão por encomenda. A explicação dada é quase sempre a mesma: a sondagem é o "retrato" do momento em que foi efectuada. A situação pode evoluir com o decorrer do tempo. A própria divulgação dos resultados dos inquéritos de opinião pode causar mudanças de atitude do eleitorado. Outros dirão que o descrédito em que as sondagens progressivamente caíram nos últimos anos - e não só em Portugal - provoca um cepticismo profundo nas pessoas em relação a essa forma (imperfeita) de avaliação do estado da opinião. O que prejudicaria o famoso efeito de "band-wagon", ou seja, a tendência dos eleitores para se atrelarem ao "carro" do vencedor...Certos institutos de sondagens "perderam as autárquicas". Impõe-se que, nestas circunstâncias, se expliquem e se interroguem, o que não dispensa os jornalistas de se questionarem sobre a forma como se dedicam a cavalgar, sem reservas, a onda das sondagens. Rui Rio, Santana Lopes e Fernando Seara venceram as eleições contra os seus adversários políticos e, também, contra as previsões ditas "científicas". Mais importante: eleitorado mostrou que "está vivo". O "povão" não vai em conversa de sondagens quando sente vontade de mudar.

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