Segurança social: a reforma necessária
A reforma posta em prática gradualmente desde 1996 melhorou os níveis de protecção social, contribui para induzir comportamentos mais responsáveis e promoveu uma reestruturação importante da segurança social. Os recentes Acordos de Concertação Social são passos decisivos nesta reforma: melhoram a solidez financeira, garantem prestações mais equitativas e desenvolvem os regimes complementares.O êxito deste processo foi, porém, acompanhado por vozes que, não obstante a repercussão e fundamentação modestas, visam reduzir a confiança dos jovens na segurança social e negar a evidência de que as novas medidas induzem mais sustentabilidade. Vejamos.1. De onde vem a solidez financeira acrescida por via desta reforma? Fundamentalmente, de três acções: uma definição mais clara das responsabilidades de empregadores e trabalhadores, que os desonera de funções de solidariedade nacional que erradamente lhes estavam cometidas; um fundo de reserva fortemente reforçado, garante das prestações em conjunturas adversas, ao qual é agora obrigatório afectar uma parcela das contribuições (137 milhões de contos só em 2002); uma relação mais forte entre os montantes efectivamente contribuídos e as pensões.O sistema actual estimula a concentração de contribuições num número reduzido de anos. Alguns, com mais recursos e informação, conseguem assim pensões desproporcionadas em relação aos outros contribuintes. Por esta razão, a Assembleia da República adoptou em 2000 o princípio de que a atribuição das pensões deve ter em conta toda a carreira contributiva e não apenas parte dela, que tenderia a ser cada vez menor com a progressão das carreiras.Com estas medidas e usando o Fundo de Reserva, não haverá défice do subsistema previdencial antes de 2035 - quando em 1998 se previa que ele ocorresse em 2013. O défice máximo anual previsível é, agora, de 1,8 por cento do PIB, em 2047, diminuindo depois - quando em 1998 se pensava que chegaria aos 3,4 por cento. Teremos uma segurança social sem défice durante mais anos e um défice mais comportável, a seguir. Isto é, maior sustentabilidade a longo prazo.2. Tem surgido, também, a questão de como podem as novas medidas conciliar mais sustentabilidade com mais equidade. A pensão média dos reformados por velhice em 2000 rondou os 63 contos, o que corresponde a 50 por cento do salário médio entre os 60 e os 64 anos. É este o sistema que verdadeiramente temos e é dele que estamos a tratar.Para garantir o equilíbrio das receitas e despesas, o crescimento da pensão média tem de evoluir subordinado ao crescimento salarial. As medidas agora adoptadas geram uma pensão média que tem com os salários uma relação sustentável mais favorável do que a relação efectiva actual. Ela atingirá os 54 por cento do referido salário em 2050. Não salvaguardar tal sustentabilidade significaria oferecer agora o céu na certeza de ele custar, a seguir, o inferno: a falência do sistema público. Não é essa reforma que queremos.A projecção do crescimento económico do Ecofin, a previsão demográfica do Eurostat e a evolução das carreiras profissionais permitem afirmar que os jovens a chegar ao mercado de trabalho terão acesso a uma pensão pública que poderá ser paga e corresponderá a uma proporção maior dos seus últimos salários do que aquela a que acedem os pensionistas de hoje.Mas esta reforma significa mais justiça também por outra via. A média é um indicador que não reflecte desigualdades e nas pensões actuais, como o Livro Branco demonstrou, a taxa de substituição do salário pela pensão é mais alta para quem tem rendimentos altos e mais baixa para quem tem rendimentos baixos. Não deve ser assim.A manipulação das carreiras profissionais permite a alguns, com peso financeiro no sistema, elidir a relação entre pensão e salário, obtendo pensões muito acima do rácio salarial médio. Como o sistema de repartição funciona pela divisão da totalidade das receitas pelo conjunto dos beneficiários, isto significa que têm acesso a uma proporção dos recursos disponíveis que é ilegítima e é uma forma de fraude.O Acordo combate tal comportamento e torna mais verdadeiras as contribuições - o que só por si fará crescer as pensões. Mas premeia ainda por outra via a verdade contributiva em detrimento da manipulação, ao introduzir duas inovações de fundo face à actual fórmula de cálculo: os rendimentos são contabilizados por escalões para os que têm mais de 20 anos de contribuições, diferenciando-os positivamente em relação a carreiras curtas e melhorando a relação pensão/salário tão mais intensamente quanto mais baixo o salário; e os salários serão revalorizados não só pela inflação, como sucede agora, mas também por via do nível salarial. Este ponto tem sido, helás!, centro de um estranho argumento. A revalorização tendo em conta os salários, pura e simplesmente, não existia, mas vozes críticas, ao mais alto nível, sugeriram o oposto para atacar o impacto da sua adopção.Foram também sugeridas progressões salariais miraculosas nos próximos 40 anos que, se se confirmassem, seriam um maná para os trabalhadores e também para os actuais e futuros pensionistas. Nos termos do Acordo, o Governo reavaliará, obrigatoriamente, dentro de dez anos, o peso da melhoria salarial na fórmula de cálculo. Será a oportunidade de, havendo condições para tal, ajustar o respectivo impacto nas pensões do futuro - muito antes de se reformarem as primeiras pessoas abrangidas obrigatoriamente pela nova fórmula, dado o período de transição acordado.Desejo a quem governar então que sugestões tão optimistas se concretizem. Seriam notícias boas para todos - o que é sempre conveniente - e esses crescimentos salariais improváveis gerariam tal abundância de receita que permitiriam a um bom Governo anular a crítica que, em seu nome, nos é feita agora.3. Tem-se tentado minar a confiança dos jovens na segurança social, embora sejam os jovens quem mais ganha com esta reforma e quem tudo teria a perder se ela não existisse. Ela permite pagar-lhes pensões que, sem ela, não seriam pagas por ruptura do sistema. Ela reduz a margem para alguns manipularem a seu favor os recursos de todos. E assegura-lhes uma pensão garantida pelo sistema público que é uma proporção dos seus salários superior à que recebem hoje os seus pais e avós.Em resumo, é consensual que esta reforma melhora a correspondência entre a carreira de descontos e a pensão recebida, beneficia mais as pensões dos salários baixos e dos rendimentos médios e prejudica os manipuladores.4. Os Acordos têm outra grande novidade: a melhoria da complementaridade entre repartição e capitalização. Nesta matéria, falta em Portugal, sobretudo, o pilar dos regimes profissionais complementares. Ora, o primeiro estatuto desses regimes está agora a ser preparado e incentivará a sua adopção. Por outro lado, verificada a sustentabilidade, serão instituídos limites opcionais às contribuições.Desiludam-se os que julgam poder obrigar os cidadãos à capitalização privada por imposição administrativa, fechando o actual regime, privatizando instituições bancárias e criando impostos para financiar a transição. É um preço que não há razão para os portugueses pagarem e que colocaria os contribuintes jovens predominantemente dependentes dos mercados de capitais. O país prefere uma proporção adequada de garantia e risco. Cada pilar tem o seu lugar e é preciso trabalhar para o equilíbrio adequado entre eles. Quem quiser substituir um sistema com um pilar público, sólido, universal e garantido, por um total ou predominantemente privado, merece o combate dos que acreditam no modelo social europeu.É porque acreditamos neste que temos o dever de fazer a reforma que estamos a fazer.* ministro do Trabalho e da Solidariedade