Resultado autárquico força demissão de Guterres
António Guterres anunciou ontem que vai pedir ao Presidente da República a sua demissão do cargo de primeiro-ministro, para evitar que o país "caia num pântano político". A decisão foi comunicada ao país depois de uma reunião de emergência da direcção socialista, quando estava já adquirida que a derrota do PS nestas autárquicas assumia uma dimensão de hecatombe política. Aguarda-se agora o que fará Jorge Sampaio, que já afirmou que só se pronunciará sobre a crise política depois de formalizado em Belém o pedido de demissão de António Guterres. Ignora-se agora se o primeiro-ministro admite recandidatar-se, sendo que vários dirigentes do PS saíram ontem da sede nacional do Largo do Rato com a convicção de que Guterres não estaria disponível para ser de novo candidato a primeiro-ministro. Durão Barroso já avisou o país de que "não haverá vazios de poder" e que "o PSD sabe interpretar a responsabilidade do voto que hoje se verificou".A opção extrema de António Guterres foi tomada depois de ver o PS ser ultrapassado pelo PSD como o grande partido autárquico português, já quando era líquido que bastiões decisivos como Lisboa e Porto, importantes como Coimbra ou Faro e simbólicos como Sintra ou Setúbal tinham fugido das mãos do PS - e em todos os casos (à excepção de Setúbal, reconquistado pelo PCP) passado para a tutela do PSD. O primeiro-ministro não pôde evitar a leitura nacional dos resultados, num momento em que o PSD, que começou a cantar vitória pouco depois do fecho das urnas, se afirmou preparado para a assumir-se como alternativa de Governo e pediu ao Presidente da República e ao próprio António Guterres para retirarem as ilações respectivas.A dimensão nacional do terramoto torna difícil a explicação da derrota do PS baseada apenas numa variável: ao desgaste do Governo somam-se gestões autárquicas desastradas e/ou arrogantes e o prenúncio do fim do aparelho do PS tal como foi acarinhado pela dupla António Guterres-Jorge Coelho. A erosão socialista conseguiu a proeza de levar à liderança de autarquias tão importantes como o Porto, Coimbra ou Sintra personalidades do PSD que não estavam à partida à espera de prosseguirem as suas carreiras políticas como presidentes de câmara: Rui Rio, Carlos Encarnação e Fernando Seara são surpreendentes exemplos de até onde o desgaste do PS pôde chegar.A vitória inesperada do PSD no Porto - que Rui Rio dedicou ao povo da "mui nobre e leal cidade invicta" - é a de uma candidatura imposta por Durão Barroso contra o líder da distrital portuense, Luís Filipe Menezes. O próprio Menezes foi obrigado a reconhecer que se tratava de uma vitória pessoal de Rui Rio e de Durão Barroso.Mas foi Durão Barroso, evidentemente, o grande vencedor da noite. Os resultados nacionais do PSD não o colocaram numa posição diminuída perante a histórica vitória de Santana Lopes em Lisboa (que converteu o PSD, pela primeira vez em 25 anos de poder local, no partido mais votado na capital do país), suspensa quase até à contagem da última freguesia lisboeta. Aliás, ainda estava em aberto o resultado de Lisboa e já Durão Barroso, na sede nacional do PSD, afirmava: "Conto com o dr. Pedro Santana Lopes, a partir de amanhã, a trabalhar comigo para um novo futuro para Portugal". A euforia de que pode estar iminente um novo ciclo de poder social-democrata era visível em todos os discursos sociais-democratas e foi com Santana Lopes a seu lado que Durão Barroso afirmou ir aguardar a decisão do Presidente da República "com tranquilidade e confiança", uma vez que "o país sabe que existe alternativa".O líder do PCP, Carlos Carvalhas, assumiu claramente a derrota do seu partido, que perdeu vários bastiões importantes como Évora, Barreiro ou Loures e cuja quebra eleitoral foi a "responsável" para que o terramoto do PS não fosse ainda mais aniquilador para os socialistas. Vitória, vitória, o PCP só a pode cantar em Setúbal.O PP, desaparecido praticamente do mapa autárquico (à excepção dos lugares onde concorreu em coligação com o PSD) está em vias de entrar em convulsão interna. Paulo Portas decidiu guardar para outro dia uma decisão sobre a sua continuação à frente do partido. Manuel Monteiro fez várias intervenções a mostrar a sua disponibilidade e um Congresso próximo deverá desenhar o futuro do PP. Paulo Portas teve uma pesada derrota pessoal em Lisboa, ao tornar-se dispensável para a vitória de Santana Lopes.