Espírito jamaicano atravessou o Atlântico
O Pavilhão Atlântico encheu-se. De gente, de descontracção e de espírito jamaicano. Os UB40 não deixaram os seus créditos por mãos alheias e lá trouxeram a cor do seu reggae único, embora tenham deixado em casa alguns grandes êxitos que o público ia preparado para ouvir. Caso de "I got you babe", "Higher ground" ou o recente "Light my fire", versão inesperada do clássico dos Doors. O público teve pena, mas desculpou a falta. É que, além de comemorar 21 anos de banda, a actual digressão serve de mote para a promoção do novo álbum, "Cover Up". O certo é que a ideia era passar uns momentos relaxantes e deixar-se levar por aquele ritmo tão repetitivo como contagiante. E se há coisa de que os UB40 se podem gabar é de conseguirem contagiar fãs dos mais diversos quadrantes musicais. Um público demasiado vasto para poder ser definido pela idade, geração ou estilo de vida. No concerto que anteontem encheu por completo o Pavilhão Atlântico havia, de facto, uma enorme variedade de estilos, mas a verdade é que a média de idades - trinta e muitos anos - era bem marcada. Mas todos se deixaram conquistar desde o início. Até aquele empresário de fato e gravata, a confirmar o que alguém disse um dia: que debaixo de um fato há sempre um tipo de t-shirt a querer sair.De fato ou não, o concerto foi para todos uma ocasião para descontrair. E foi bonito de ver. O já gasto "refrão" do "'tá-se bem" é, no entanto, o que melhor descreve o que ali se viveu: descontracção. É que o reggae tem destas coisas. Põe-nos a dançar mesmo sem querermos. Nas bancadas - caso raro - estavam todos de pé. Já passava da hora marcada. As percussões, os metais e os outros instrumentos viam-se rodeados por uma decoração que, à primeira vista, nos faria sentir como se estivéssemos numa selva. Mas o equívoco desfaz-se assim que a banda entra em palco e se acendem as luzes. Na verdade, os desenhos invocam não uma selva, mas uma plantação da típica erva de cinco pontas. De súbito, um leve fumo inunda o Pavilhão com o respectivo cheiro. A Jamaica instalava-se definitivamente. Em palco, uns quantos latões de rua acendem-se, num fogo simulado mas mais do que suficiente para aquecer a noite. Uma decoração a lembrar a origem humilde dos UB40, que decidiram formar a banda numa fila para o fundo de desemprego (aliás, baptizaram o grupo com o nome do impresso).O desfile de cerca de uma vintena de canções começaria com grandes êxitos como "Here I am baby (come and take me)" ou "Cherry oh baby". A mesma onda continuaria com "Rat in my kitchen" e outros clássicos da banda a serem intercalados com alguns temas novos, como "Cover up" e "Since I met you lady"). O grande momento da noite viria, como previsto, com "Red red wine", com o palco pintalgado de vermelho e o público quase roxo de cantar o refrão a plenos pulmões. Sem dar descanso às emoções e às gargantas, viria o último grande presente da noite: o eterno "Can't help falling in love". Seguir-se-ia o encore, a partir do qual o concerto arrefeceu de vez. Daí que não tenha ficado na memória um concerto excepcional - longe da festa no Festival Sudoeste deste ano -, mas não há dúvida de que foi um bocado muito bem passado. Resta destacar a soberba actuação dos portugueses Cool Hipnoise, convidados para a primeira parte depois de ter sido cancelada a participação de Terence Trent d' Arby. A escolha não podia ter sido melhor. Praticantes de uma singular fusão de reggae, dub, funk e soul, a curta actuação soube conduzir o Atlântico ao espírito que ali se queria. É que também para os Cool Hipnoise a Jamaica serve de pano de fundo para a busca de novas sonoridades (tão surpreendentes como a versão de "Come as you are", dos Nirvana).Aliás, a noite de sexta-feira veio trazer novamente a lume o desafio que alguém lançou a propósito do Festival Sudoeste: para quando um festival dedicado à Jamaica?