Cientistas norte-americanos clonaram uma pessoa adulta
A empresa norte-americana de biotecnologia Advanced Cell Technology anunciou ontem, na revista "Journal of Regenerative Medicine", ter clonado uma pessoa adulta, à semelhança da ovelha "Dolly". Tal como a famosa ovelha, os embriões humanos da experiência da Advanced Cell Technology não resultaram da fecundação dos ovócitos por espermatozóides, mas antes da introdução nos ovócitos, esvaziados previamente do seu ADN, do material genético de uma célula humana adulta. Dito por outras palavras, os cientistas clonaram uma pessoa adulta.A empresa, com sede em Worcester, Massachusetts, diz que o objectivo não é implantar os embriões resultantes da experiência no útero de uma mulher para nascerem bebés, mas antes usá-los para fins terapêuticos. Ou seja, para recolher as chamadas células estaminais, de que os embriões são uma excelente fonte, e com elas fazer um dia órgãos à medida de cada pessoa. Isto porque as células estaminais - também chamadas indiferenciadas ou células-mãe - têm a capacidade de se transformar em todas as outras células do nosso organismo. Quando os cientistas conseguirem dominá-las, será possível fazer órgãos sem o perigo de serem rejeitados ou tratar doenças como a Parkinson.O que fizeram então os cientistas da Advanced Cell Technology? A equipa, coordenada por Joe Cibelli, começou por retirar o ADN de ovócitos e depois substituíram-no com ADN de células humanas adultas (células somáticas, já especializadas) - no caso, da pele. Dos oito ovócitos usados na experiência, dois começaram a dividir-se até formar embriões com quatro células e um terceiro chegou às seis células, até que a divisão foi impedida - explica-se no "site" na Internet da cadeia televisiva CNN. Mas a empresa não revelou se, depois, conseguiu retirar células estaminais dos embriões."Clonaram uma pessoa adulta. É mesmo clonagem de um adulto já existente", explicou ao PÚBLICO Mário de Sousa, médico do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, no Porto. Significa que esta experiência, que teve lugar a 13 de Outubro, que células adultas humanas conseguem andar para trás no tempo e reverter a sua especialização, até ser possível criar um embrião. De facto, o óvulo começou a desenvolver-se como se tivesse sido fecundado por um espermatozóide, embora não tenha sido. A criação da ovelha "Dolly", em 1996, surpreendeu o mundo precisamente por isso. A "Dolly" é exactamente idêntica à ovelha a partir da qual foi retirada uma célula da glândula mamária. O ADN da célula mamária foi depois introduzido no ovócito de outra ovelha cujo ADN do núcleo foi retirado. O embrião resultante foi implantado no útero de uma terceira ovelha."Os nossos resultados preliminares fortalecem as provas de que a reprogramação das células humanas é possível", diz Joe Cibelli, citado num comunicado da Advanced Cell Technology. A isto, Robert Lanza, outro dos autores do trabalho, acrescenta que a ideia não é fazer nascer um bebé que é a cópia genética de uma pessoa adulta: "A nossa intenção não é criar clones de seres humanos, antes desenvolver terapias que salvem a vida de quem tenha um grande número de doenças, incluindo a diabetes, tromboses, cancro, sida e doenças degerenativas como a Parkinson ou a Alzheimer." Na mesma linha de argumentação segue Michael West, presidente da empresa: "Biológica e cientificamente, as entidades que estamos a criar não são um indivíduo. São apenas vida celular. Não são uma vida humana."A este propósito, Mário de Sousa, que é contra a clonagem reprodutiva, cujo objectivo é fazer bebés que são a cópia de outro ser humano, comentou: "Não havendo reprodução - ou seja, não sendo para causar uma gravidez - e como o embrião não resulta da fusão de um ovócito com um espermatozóide, os comités de ética terão de decidir qual o nome a dar a este embrião." Isto porque, na Europa, os comités de ética consideram que o embrião que resulta da fusão de um ovócito com um espermatozóide é um ser humano em potencialidade. Mas a experiência agora feita nos Estados Unidos - e que se segue a uma semelhante realizada na Europa, onde esteve envolvido Mário de Sousa (ver caixa) - é diferente. "Trata-se de fabricar um embrião que tem a potencialidade de dar origem a um ser humano, mas não foi usada a fecundação. É clonagem pura de uma célula adulta de um corpo. Mas isto permite fabricar 'embriões' falsos para terapia de diversas doenças genéticas e aí talvez as comissões de ética autorizem." Como recorda Mário de Sousa, a clonagem da "Dolly" veio mostrar que não era preciso destruir embriões excedentários, usados na fertilização "in vitro", para ter acesso às células estaminais. Que se poderiam obter através de clonagem, e aí talvez estivesem resolvidos os problemas éticos da destruição de embriões. A polémica em torno destas questões estalou de novo. "Acho isto muito perturbador e penso que a maioria do Congresso achará o mesmo", foi como o senador democrata Patrick Leahy comentou a experiência. "Acredito que vai começar aqui um grande debate. Não acredito que vamos deixar clonar embriões humanos", disse por sua vez Richard Shelby, senador republicano.