"Kandahar", que chegou a ser apontado como um dos favoritos para o palmarés, foi rodado em condições adversas - ameaças de rapto e morte - nas fronteiras do Afeganistão e em campos de refugiados. Mas Makhmalbaf não cedeu ao seu propósito de fazer um filme-documentário que abrisse os olhos à socidedade ocidental para o drama com que as mulheres afegãs vivem no seu dia-a-dia. O realizador fez um filme militante, mas um filme que é também de uma beleza, segundo os críticos, "fortíssima".Makhmalbaf explica que nesse país assolado pela guerra, a seca e as minas, as mulheres afegãs são vítimas de uma sociedade machista, onde os homens têm todos os direitos e elas não têm nenhuns. Mas ao mesmo tempo, explica o realizador, citado pela AFP, mesmo quando estão escondidas pela burqa, estas mulheres procuram a beleza. Foi esta ambiguidade que o cineasta iraniano procurou mostrar em "Kandahar".
Makhmalbaf recebeu com "Kandahar" a medalha Fellini da UNESCO pelo seu empenho a favor da melhoria da situação das mulheres afegãs. Então, lamentou que tivessem sido necessários os atentados de dia 11 de Setembro para que o Afeganistão saísse do esquecimento. O realizador dedicou a medalha ao "povo mártir do Afeganistão" e prometeu abrir um dia uma escola em Kandahar com o nome de Fellini.
O mesmo Makhmalbaf, contavam os críticos quando o filme foi exibido em Cannes, enviava de Teerão, a quem pedia mais informações sobre a última longa-metragem, um documento intitulado "O Buda não foi demolido no Afeganistão - Ruiu devido à vergonha". Vergonha, porque nem os Budas conseguiram salvar o Afeganistão desse esquecimento. O documento de 53 páginas informava ainda, ironicamente, que apreender as informações nele contidas demorava cerca de uma hora, o mesmo tempo em que, no Afeganistão, "morrem 14 pessoas, devido à guerra e à fome, e outras 60 se tornarão refugiadas", e deixava um conselho: "se este assunto é demasiado amargo para as vossas vidas, por favor pare já de o ler".
O filme feito a partir de histórias reais e com os refugiados afegãos a representarem o seu próprio papel, segue o percurso de Nafas, interpretada por Niloufar Pazira, uma jornalista afegã, exilada no Canadá, que se vê obrigada a regressar quando recebe uma carta da irmã mais nova, que ficou em Kandahar. A irmã escreve-lhe desesperada, anunciado que vai pôr termo à vida no momento do último eclipse do século, uma clara metáfora da obscuridade que se abateu sobre o Afeganistão. Faltam três dias para o eclipse e Nafas tem que lutar contra este tempo escasso para regressar à cidade, residência do "mullah" Omar, que hoje é um dos últimos bastiões dos taliban. Para passar a fronteira tem que se submeter novamente à burqa, o pano de cobre as mulheres afegãs da cabeça aos pés, e faz-se passar pela quarta mulher de um refugiado. Nessa odisseia, através de um país destroçado, o espectador cruza-se com histórias reais de crianças aprendizes dos "estudantes de teologia" e com um "muçulmano negro americano", que anda à procura de Deus. Pazira também não é uma actriz. Ela deixou o Afeganistão em 1989 e recebeu uma carta semelhante de uma amiga. Hoje pode pintar os lábios livremente e como diz à CBS "Kandahar" é para ela mais do que um filme é um grito desesperado de ajuda de todas as mulheres do Afeganistão.
As belas imagens de Kandahar e do Afeganistão contrastam com a brutalidade das situações filmadas. Os críticos não conseguiram ficar indiferentes às pernas postiças que caem dos céus agarradas a pára-quedas brancos, largados no deserto por um helicóptero da Cruz Vermelha.
Nafas passa por todo este cortejo de personagens para salvar a irmã, mas não consegue evitar que mais uma vez o véu negro cubra a tragédia do povo afegão. Será que alguém poderá retomar a missão com mais sucesso?