Os obeliscos da Prelada
Como os leitores mais assíduos estarão provavelmente recordados, na "Memória da Cidade" consagrada à Quinta de Ramalde (ver PÚBLICO de 9 de Setembro), referíamos que na sua primitiva entrada, hoje em dia correspondente, mais ou menos, ao primeiro troço da actual Rua [da Prelada] dos Castelos -, se localizavam antigamente dois obeliscos, ou "pirâmides de figura triangular", de 12,6 metros de altura, consideradas por Robert C. Smith como "um dos desenhos mais finos de toda a obra de Nasoni", os quais foram posteriormente transladados para o Jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, onde ainda se encontram.Esta referência à existência, naquele local, dos referidos obeliscos, assim como a sua posterior transferência para o Jardim do Passeio Alegre, suscitou algumas interrogações por parte de diversos leitores, que nos contactaram perguntando qual era a origem daqueles monumentos, e se os mesmos não teriam sido edificados já no século XIX, à entrada da cidade, num local onde hoje se situa a Avenida da França, a fim de se comemorar a chegada ao Porto das tropas de D. Pedro IV, aquando da guerra civil entre liberais e absolutistas, em 1832-34. Segundo estes leitores, com a abertura da Avenida da França, os referidos obeliscos foram então removidos para o Jardim do Passeio Alegre, onde hoje se encontram.Na realidade, os dois obeliscos que actualmente se encontram no Jardim do Passeio Alegre são os que originalmente estavam à entrada da Quinta da Prelada, tendo sido concebidos por Nicolau Nasoni, quando no século XVIII projectou aquela quinta - com a respectiva residência, jardins e os outros elementos decorativos - para a família dos Noronhas e Meneses. A ideia de que os referidos obeliscos teriam sido construídos mais tarde para assinalar a entrada das tropas de D. Pedro IV, a 9 de Julho de 1832, não corresponde à realidade histórica e dever-se-á, provavelmente, ao facto de José Augusto Sant'Ana Dionísio (1902-1991), um dos mais categorizados investigadores da história da cidade do Porto, ter escrito, no volume sobre o Douro Litoral do "Guia de Portugal", coordenado por ele próprio juntamente com Raul Proença, que "esses obeliscos marcavam a entrada das reduzidas forças de D. Pedro IV" (p. 314). Não é muito claro se, com esta frase, Sant'Anna Dionísio pretendia referir-se ao facto de aqueles obeliscos marcarem a entrada da cidade na época em que D. Pedro IV entrou na cidade, após o desembarque do Mindelo - o que também não é exacto -, ou se os mesmos tinham sido ali erigidos mais tarde, a fim de se comemorar aquele acontecimento. De qualquer modo, este lapso de Sant'Ana Dionísio - considerando a primeira hipótese - terá "feito escola", e por esse motivo foi generalizado um facto que não era correcto, mas que, dado o rigor que aquele autor imprimia aos seus estudos, acabou por se considerar como correspondente à realidade histórica.De facto, não é de mais sublinhá-lo, José Augusto Sant'Ana Dionísio foi uma figura notável da intelectualidade portuguesa e portuense do século XX, autor de uma vastíssima obra, não apenas no domínio da História, mas principalmente no Direito e Filosofia, áreas em que se tinha especializado. Discípulo de Leonardo Coimbra, integrou o grupo da "Renascença Portuguesa", e no campo da divulgação histórica será sempre recordado pelo notável trabalho que desenvolveu para o "Guia de Portugal", publicado pela Fundação Gulbenkian.No que diz respeito aos obeliscos, estes foram efectivamente desenhados por Nasoni. Robert C. Smith, o maior especialista da obra do célebre arquitecto toscano, na obra "Nicolau Nasoni - Arquitecto do Porto", descreve do seguinte modo estes monumentos, classificados como imóveis de interesse público em 22 de Março de 1938: "Estes esbeltos obeliscos assentes em bolas, segundo um motivo maneirista dos séculos XVI e XVII, terminando em torres de dois 'corpos' ou andares, tirados do brasão dos Noronhas. Na base dos obeliscos figura o anel de aliança dos Meneses, no meio de um pesado bloco, cujo perfil sugere o da imafronte da Capela de Fafiães. Por cima da cornija aparecem volutas típicas de Nasoni, formando uma peanha de corte prismático, como transição às esbeltas superfícies diagonais dos obeliscos, sensivelmente ajustadas para capturar expressivos efeitos de luz e sombra". Deste modo, dada a reconhecida autoria de Nasoni, e uma vez que o arquitecto toscano faleceu em 1773, os obeliscos também não poderiam ter sido edificados no século XIX. Cremos que com esta explicação ficam dissipadas as dúvidas levantadas pelos leitores, agradecendo-lhes a atenção que dedicaram àquela "Memória da Cidade".