Cientistas identificam produtos usados na preservação das múmias egípcias
Quando se fala de múmias egípcias, quem não se lembra de Ramsés II ou de Tutancámon, o rei-menino cujo túmulo foi descoberto intacto no Vale dos Reis em 1922? Mas que substâncias é que os embalsamadores, ou mumificadores, usavam para preservar os corpos? Ao analisar quimicamente 13 múmias que cobrem 2300 anos da história egípcia, uma equipa de cientistas britânicos revela, na revista "Nature", que os embalsamadores empregavam mais produtos naturais do que se pensava até agora na preparação dos defuntos para a vida para além da morte. Misturas complexas de extractos de plantas, gorduras animais, cera de abelhas ou resina de coníferas faziam parte da preparação dos corpos, sobretudo de faraós e nobres, os mais abastados.Os egípcios mumificavam o corpo porque acreditavam que não entraria na existência eterna sem que o espírito - o ka - pudesse voltar ao corpo. Por isso, o corpo tinha de ser preservado. Depois de séculos de experiências, os embalsamadores conseguiram que os corpos atingissem uma conservação excelente, no final do Novo Império (1550-1070 a.C.) e durante a 21ª dinastia, no início do chamado Terceiro Período Intermédio (1070-945 a.C.). Nem sempre terá sido assim, porém. As múmias mais antigas datam do Período Pré-Dinástico, anterior a 3000 anos a.C. Nessa altura, colocava-se tão-só o corpo, na posição fetal, numa cova na areia quente e seca do deserto. Mantinha-se assim preservado e, talvez por essa razão, a violação das sepulturas e a descoberta por acaso de corpos ajudou a desenvolver crenças religiosas, nas gerações posteriores, que relacionaram a sobrevivência do espírito após a morte com a do próprio corpo. Só que, ironicamente, as primeiras medidas tomadas para abrigar os corpos, em caixões, tiveram um efeito contrário: a perda de contacto com as areias do deserto, que absorvia a humidade do corpo, contribuía para acelerar a decomposição. Para resolver esse problema, os egípcios não abandonaram estas sepulturas e voltaram a enterrar os mortos no deserto: começaram, antes, a socorrer-se de métodos artificiais de preservação. Ao que parece, os primeiros métodos consistiam em envolver o corpo, de forma apertada, com faixas de linho ensopadas com resina. Mas não eram métodos lá muito eficazes. No Antigo Império (2669-2152 a.C.) e no Médio Império (2040-1783 a. C) é que aperfeiçoaram as técnicas, atingindo o auge no final do Novo Império e durante a 21ª dinastia. Os embalsamadores, considerados sacerdotes-médicos, perceberam que o grau de conservação poderia ser excelente se removessem os órgãos internos moles - os intestinos, o fígado, os pulmões e o estômago, através de um corte no abdómen -, não se ficando apenas pela manutenção da aparência exterior. Isto porque a aparência do corpo também era moldada, à força de tiras de linho e uma camada de gesso.É que as vísceras, que eram depois colocadas em vasos canopos, eram as primeiras a apodrecer, e por isso a sua remoção permitia que a cavidade interior fosse limpa e seca. O coração, no entanto, não era retirado: era considerado o lugar da inteligência humana. Já o cérebro era retirado através das narinas. O interior vazio era então preenchido com linho ensopado com as tais resinas e o corpo enfaixado. Ocasionalmente, era mesmo retirado o tecido muscular, sendo substituído por serradura, areia ou lama. Só que às vezes ocorria um pequeno problema com este método: o encolhimento da pele sobre um recheio tão abundante fazia com que a múmia rebentasse. A substância usada pelos embalsamadores que tem sido considerada mais importante era o natrão - sais de sódio naturais existentes no Egipto, que são agentes de secagem eficazes e moderadamente anti-sépticos. Os antigos egípcios, que também mumificavam animais (vacas e gatos, por exemplo) haviam percebido que a melhor maneira de preservar um corpo era desidratá-lo. O corpo ficava a secar durante muitos dias, coberto pelos sais de natrão. No final, só restavam ossos, pele e carnes endurecidas.Depois, as técnicas de mumificação foram-se tornaram-se obsoletas e no século II d.C. - já no período romano - começaram a ser abandonadas. Por volta do século VI, o cristianismo acabou com a mumificação. Diga-se, porém, que durante todo o tempo em que a mumificação foi uma prática, a maioria dos egípcios pobres tinham um simples enterramento no deserto.Mas o que fazia uma múmia resistir à inexorável voragem do tempo? Análises químicas anteriores já haviam revelado que, além do natrão, também eram usado óleo de zimbro e de cânfora, gálbano (uma resina), cera de abelhas e mirra (planta vulgar nas margens do Mar Vermelho, que dá uma resina olorosa e balsâmica). Aliás, o historiador grego Heródoto, que esteve no Egipto por volta do ano 450 a.C., descreveu como era feita a mumificação: mirra, cássia, vinho de palma, óleo de cedro e resina. Só que o relato dele, numa altura em que a mumificação estava em declínio, baseava-se em informações dos embalsamadores. Além de não ter testemunhado o que escrevera, também era vago em relação à forma como os produtos naturais eram usados. Agora, o estudo de Stephen Buckley e Richard Evershed, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, dá mais uma achega aos conhecimentos sobre a mumificação ao mostrar o uso de mais produtos. Os tratamentos com produtos naturais, sublinha a equipa, têm permanecido pouco claros. Ao retirarem pequeninas amostras de tecido, faixas e materiais resinosos de 13 múmias, identificaram resina de coníferas, de "Pistacia" (outra árvore) e de pinheiro, óleos de plantas, algumas gorduras animais e cera de abelhas, explica Sarah Wisseman, da Universidade de Illinois, nos EUA, num comentário publicado também na "Nature". Os bálsamos feitos com resina de coníferas e cera de abelhas tornaram-se muito populares nos funerais dos faraós, à medida que se descobriam as duas propriedades antibacterianas. "As presença de óleos de plantas e, numa extensão menos importante, de gorduras animais, sugere que eram ingredientes-chave na mumificação. Provavelmente eram usados como uma base menos dispendiosa, na qual se misturavam e aplicavam aos corpos agentes embalsamadores mais exóticos e faixas", escreve a equipa na "Nature".