Colômbia avança na luta pela biodiversidade
Será que um país como a Colômbia, afectado pela instabilidade política, pela guerrilha e pelo narcotráfico, consegue preocupar-se com a preservação da biodiversidade? Pode ser difícil, mas há seis anos que esse país está envolvido na construção e colocação em prática de uma estratégia para conservar a sua enorme riqueza natural. E alguns resultados, apesar de tímidos, começam já a ser colhidos - a julgar pelas palavras do biólogo Cristian Samper, que apresentou o exemplo da Colômbia durante o 2º Congresso Nacional para a Conservação da Natureza, realizado esta semana, em Lisboa.Os colombianos têm razões de sobra para se preocupar com a biodiversidade. Uma em cada dez espécies de plantas ou de animais que se conhecem no mundo pode ser encontrada no território daquele país, o que o coloca segundo lugar na lista das nações com maior riqueza biológica no mundo, a seguir ao Brasil (ver números). E, tal como acontece no seu vizinho gigante, esta fortuna natural está a ser dilapidada pela destruição de habitats - para dar lugar à expansão urbana, à agricultura e ao cultivo ilegal de coca.Quando a Convenção das Nações Unidas para Diversidade Biológica foi assinada, durante a Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, os assuntos ambientais na Colômbia ainda eram tratados por uma divisão do Ministério da Agricultura - o Instituto de Recursos Naturais. Mas quando o país ratificou a convenção, em 1994, este constrangimento já estava superado. Num ano, a Colômbia elaborou a sua Política Nacional para a Biodiversidade, o ponto de partida para uma estratégia e um plano de acção que ficariam prontos três anos mais tarde.Entre um momento e o outro, o país tratou de averiguar o que sabia sobre a sua riqueza natural. Duas centenas de cientistas, liderados por dez coordenadores não-remunerados, coligiram toda a informação existente. "Havia o suficiente sobre as espécies e os ecossistemas, mas quase nada sobre os recursos genéticos", disse ao PÚBLICO Cristian Samper, que, como presidente do Instituto de Investigação de Recursos Biológicos Alexander Humboldt, supervisionou este trabalho. O resultado são 1800 páginas de dados sobre a biodiversidade do país, com 2500 referências bibliográficas.A estratégia e o plano de acção foram então construídos, a partir desta primeira avaliação sistemática. No total, ambos os documentos demoraram três anos a concluir e, ao longo desse período, houve consultas envolvendo cerca de 1500 representantes de diferentes sectores da sociedade. Aprovado em 1998, o plano de acção contém três prazos distintos para a aplicação das medidas: um mais longo, com metas a 25 anos, outro intermédio, para dez anos, e um mais curto, de apenas quatro anos - este último deliberadamente coincidente com o período de uma legislatura.De lá para cá, houve já alguns resultados práticos. Aumentou-se a superfície do país coberta por áreas protegidas, que hoje ocupa 12 milhões de hectares, ou seja, dez por cento de todo o território. Mas, segundo Cristian Samper, o objectivo não era tanto alargar as zonas com estatutos de protecção, mas sim proteger ecossistemas que estavam mais esquecidos e vulneráveis - como os enclaves secos e as zonas húmidas dos Andes. "As novas áreas são pequenas, mas abrangem sistemas que estavam mal representados", justifica Samper.O levantamento prévio do estado da biodiversidade mostrou que, das 700 espécies de plantas ameaçadas do país, só cinco por cento estavam representadas nas colecções de jardins botânicos. "Hoje, já chegámos a mais de 30 por cento", diz Cristian Samper. Algumas vitórias pontuais foram particularmente saborosas. A espécie vegetal "Senecio carbonellii", uma pequena planta que só se encontrava em zonas húmidas ao redor de Bogotá, não era vista desde 1970 e estava praticamente dada como extinta em todo o mundo. Recentemente, porém, através de um esforço deliberado, foi encontrado um diminuto núcleo, com apenas sete indivíduos, perto da capital colombiana. A zona à volta desta população foi transformada num parque, e colheram-se tecidos daquelas plantas que, clonadas, agora também crescem num jardim botânico.Estes avanços serão ainda pequenos, comparados com as ameaças maiores sobre a biodiversidade da Colômbia, como a perda de habitats. Uma das prioridades da estratégia colombiana é procurar estabelecer sistemas produtivos compatíveis com a preservação da riqueza natural.É o caso do chamado café-sombra, cultivado ao abrigo da floresta tropical, sem a destruir. Este era o principal método de cultivo do café no país, até à década de 1970, quando incentivos fomentaram plantações mais intensivas. Vinte anos depois, os próprios agricultores sentiram que estavam a perder dinheiro, devido aos problemas de erosão e do preço mais baixo para o café cultivado daquela forma. Hoje, o café-sombra - que é ligeiramente mais valorizado no mercado - já recuperou uma fatia de 40 por cento da produção da Colômbia, segundo Samper. Neste caso, foi o próprio mercado a fazer os agricultores optarem por uma alternativa menos danosa para a biodiversidade. Caso contrário, convencê-los seria certamente bem mais difícil.