O barroco português expõe-se em Paris
O barroco português do século XVII dificilmente encontraria um espaço mais gracioso do que o Museu Jacquemart-André, em Paris, para expor os seus tesouros ainda pouco conhecidos. Vestígio de um período em que "os banqueiros casavam com pintoras, não com fortunas 'offshore'" - o comentário é do Ministro da Cultura, Augusto Santo Silva, seduzido pelo encanto do local -, o prestigiado museu francês desvenda "a arte de viver portuguesa do século XVII" numa exposição baptizada "Rouge et or, Trésors du Portugal baroque (Vermelho e ouro, Tesouros do Portugal barroco)". Aberta ao público desde ontem, a mostra reúne durante cinco meses cerca de 90 obras-primas portuguesas da arte da Contra-Reforma, pondo a ênfase na descoberta da pintura de Josefa de Óbidos, Diogo Pereira e Filipe Lobo, praticamente desconhecida em França. Mas o conjunto oferece um equilíbrio harmonioso com objectos do culto sacro, prataria decorativa e, é claro, azulejos e peças de cerâmica. A iniciativa da exposição deve-se ao Ministério da Cultura, na senda das exposições de Josefa de Óbidos apresentadas em Washington e Londres. Mas Nicolas Sainte Fare Garnot, conservador do museu e co-comissário da exposição, desejou ir mais longe. Com efeito, é tradição do museu Jacquemart-André dedicar as suas exposições temporárias "aos mundos percorridos fora de caminhos traçados". Frisando que a criação original portuguesa "não estacou em 1600 para se repor em movimento um século mais tarde", Sainte Fare Garnot queria mostrar o contexto do século que levou à mestria de Josefa de Óbidos ou ao delírio dantesco de Diogo Pereira. Guiado pelo historiador de arte Vitor Serrão, co-comissário da exposição, o museu traz a Paris obras de arte que nunca antes saíram de Portugal, para melhor ilustrar um período "frequentemente desconsiderado na história do país".O conjunto de peças reunidas na exposição "Rouge et or, Trésors du Portugal baroque" é, para Vitor Serrão, a prova da "força criadora extraordinária da produção artística do período Barroco, seja pela poesia das formas, o dinamismo da criação ou a retórica nacionalista, apesar da crise de identidade e do isolamento político da época". O ministro da Cultura, Augusto Santos Silva, espera três resultados desta exposição. Primeiro, um maior conhecimento da pintura portuguesa do século XVII, frisando que "o trabalho de Vitor Serrão para o catálogo ficará como uma obra de referência". Depois, que a mostra valorize a imagem da cultura portuguesa em França, e que "ajude a construir colectivamente, com a comunidade portuguesa neste país, uma identidade cultural contemporânea assente no património e aberta à modernidade que corresponde à imagem actual do nosso país".A mostra abre com a reprodução da nave de uma igreja barroca. O altar-mor está ornado com um painel de azulejos, e os objectos do culto, em prata, demonstram a opulência da arte sacra.A segunda sala consagra "A Arte Profana", numa profusão de prataria e de quadros com cenas da vida quotidiana da época. Nada prepara, assim, ao choque violento da terceira sala, inteiramente dedicada à obra de Diogo Pereira - "Um Mundo em Chamas". Uma visão apocalíptica da humanidada no que ela tem de mais destruidor que deixa completamente sem fôlego. "Artista maldito" cuja descoberta fascinou Sainte Fare Garnot, e de quem Vitor Serrão diz que "personifica o espírito marginal ligado a uma visão de um mundo complexo e de um destino trágico, próprio do seu tempo" - o tempo da dominação espanhola. A exposição caminha depois para a calma e o rigor das naturezas mortas de Josefa de Óbidos, e termina com o "Ouro de Portugal" - ornamentos de azulejos e de peças de cerâmica.Até 25 de Fevereiro de 2002, todo o museu vive à portuguesa. Várias actividades lúdicas para crianças dos 4 a 6 anos reconstituem a vida diária em Portugal no século XVII e as viagens dos "grandes navegadores" com a ajuda de cadernos de jogos, para terminar com um lanche e uma "pesca" de presentes ligados à exposição. Para os miúdos de 7 a 9 anos, o percurso é pontuado por contos e pela aprendizagem da leitura de pormenores dos quadros. O lanche precede uma "caça ao tesouro" que dá prémios culturais.Para grandes e pequenos, o café do museu Jacquemart-André propõe uma escolha de doçaria conventina portuguesa, o mais fiel possível às tradições pasteleiras do século XVII.