Manoel de Oliveira não pode ir para casa

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"Vou para Casa" é uma reflexão sobre a inevitabilidade do envelhecimento e a iminência da morte DR

"Vou para Casa" é a história de um grande actor - interpretado por Michel Piccoli - perante a inevitabilidade do envelhecimento e a iminência da morte. Mas um tema tão dramático como este é tratado de forma leve e humorística, com "gags" a lembrar o melhor do cinema mudo.Se a morte está presente, nunca outro filme de Oliveira fala tanto da vida como este. Há momentos em que os actores se animam e perante um quadro de Jack Vettriano (The Singing Butler), numa montra de galeria numa rua de Paris, ou um velho que toca num realejo "Sous le Ciel de Paris" parece que Piccoli vai começar a cantar e a dançar, com uns sapatos amarelos novos que acabou de comprar.
O filme, que hoje estreia nas salas portuguesas, tem sido acarinhado pela crítica e pelo público. Em Paris, a cidade que serve de cenário à acção, uma semana depois da estreia "Vou para Casa" contava já com 50 mil espectadores. Em Itália, foram mais de 100 mil desde 8 de Junho. Na última edição do Festival de Cannes, Piccoli era fortemente apontado como o mais bem posicionado candidato ao Prémio de Melhor Interpretação Masculina, galardão que depois fugiu para as mãos de Benoît Magimel, pelo desempenho em "La Pianiste".
Se este fosse o último filme de Manoel de Oliveira, seria uma bela e doce despedida — estão lá os seus actores habituais, Leonor Silveira, Michel Piccoli, Catherine Deneuve e John Malkovich — seria um terno regresso a casa e um final de palmas e sucesso. Mas o cineasta não está disposto a parar e ironizou, durante a ante-estreia, rodeado de amigos e convidados ilustres, que o seu amigo e produtor Paulo Branco não o deixava ir para casa.

"Porque é que eu nasci se não era para sempre"

"Vou para Casa", inspira-se em duas peças de teatro - "O Rei está a Morrer", de Eugène Ionesco, e "A Tempestade", de William Shakespeare - e no romance "Ulisses", de James Joyce. É com o rei que está a morrer que o filme começa -"porque é que eu nasci se não era para sempre"-, com Piccoli a interpretar Gilbert Valence, um actor consagrado, a desempenhar por sua vez o papel do monarca. É o teatro dentro do cinema e lá fora os bastidores, em que três homens, portadores da má sorte, esperam. Uma noite, no fim da representação, o horror bate à porta de Gilbert Valence: a sua mulher, filha e genro morrem num acidente de viação. Resta-lhe o neto, com quem partilha afectos e cumplicidades para exorcizar a dor, e o trabalho. Com uma carreira de sucesso, pode dar-se ao luxo de recusar papéis e não aceita trabalhar num telefilme para a televisão, porque não quer representar o papel de velho senil. Rejeita também o amor de uma jovem actriz, deslumbrada com o seu sucesso e a sua aura.
Mas quando um realizador americano (John Malkovich) lhe propõe representar Ulisses, numa adaptação de Joyce, Valence não pensa duas vezes. Mas aí, a tragédia volta a apoderar-se da vida do actor, com a memória a fugir, as palavras a escorregar entre os dedos. No fim, depois de ir para casa, é o rosto de uma criança que fica, como se chegar à velhice não fosse mais que um regresso à infância num círculo que nunca se fecha.

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